

Publicado em 04/02/2025 - Atualizado em 07/02/2025 09:31
ANGOLA E BRASIL
ESTREITAM PARCERIAS
A advogada Maria Lima, administradora executiva da Caixa Social da Sociedade Mineira de Catoca, em Angola, destaca, nesta entrevista exclusiva à Carta da Indústria, a importância da parceria entre Brasil e o país africano. Desde 2010, as relações entre Brasil e Angola foram elevadas a parceria estratégica, o que se traduz em ações de cooperação, por exemplo, em fóruns internacionais de língua portuguesa e no Acordo de Cooperação e Facilitação de Investimentos, promulgado em 2017, com o objetivo de estimular os aportes nos dois países.
Maria Lima já trabalhou nos mercados de mineração e de aviação como gestora de contratos. Em 2024, participou do Fórum Conexões de Negócios Brasil-Angola: Perspectivas e Oportunidades, promovido pela Firjan, sobre integração dos dois países. Em férias no Rio de Janeiro, a executiva angolana conversou com nossa reportagem.
CI: Poderia falar sobre a importância da Mina de Catoca, uma das maiores de diamantes no mundo, para a economia de Angola?
Maria Lima: A Mina de Catoca é extremamente importante para o mundo e para a economia de Angola, porque representa a maior parte da extração de diamantes do país. É a quarta maior mina a céu aberto do mundo. Angola ainda tem grande potencial de minerais inexplorados. A estratégia é exatamente que haja cada vez mais investidores estrangeiros no setor. Catoca é uma parceria público-privada. Uma parte é detida pela concessionária nacional de diamantes, e a outra é de uma empresa estrangeira. Uma parte dos diamantes de Angola é comercializada pela empresa pública. A outra parte pode ser vendida a interlocutores e terceiros.
CI: Em relação ao minério de ferro, óleo e gás, como tem sido a relação de comércio desses setores entre Brasil e Angola? E quais as perspectivas?
Maria Lima: Esses setores são importantes para Angola e para o Brasil, assim como para qualquer outro país, porque não existe indústria sem recursos minerais. No entanto, Angola tem mudado muito nos últimos anos. Tem se aberto para o mundo, para parcerias mais estratégicas com países como Brasil, em que a gente partilha o mesmo DNA, no aspecto da língua, de comportamento de negócio, de ambições.
Empresas e investidores brasileiros têm participado crescentemente dos projetos de mineração angolanos, aproveitando as riquezas minerais do país, como diamante, ouro, ferro e cobre. A brasileira Odebrecht, inclusive, já atuou no setor de infraestrutura e mineração em Angola, tendo participação na exploração da Mina de Catoca até 2018.
Por outro lado, todos os desafios que a gente está vivendo hoje, em sustentabilidade, aproveitamento do recurso, o Brasil viveu antes. O Brasil tem essa expertise em mineração, com empresas como a Vale. Há sempre sinergias que são trocadas no treinamento de mão de obra e transferência de conhecimento técnico. Empresas brasileiras têm contribuído com tecnologias avançadas em prospecção, exploração e beneficiamento de minerais, especialmente diamantes e ferro.
CI: De que forma o Brasil tem ajudado Angola em relação à exploração mineral e na questão ambiental?
Maria Lima: Angola é referência em diamantes porque é um dos maiores produtores mundiais, e o Brasil tem colaborado também em estudos geológicos e na identificação de novas jazidas, especialmente nessas regiões menos exploradas. Na questão ambiental, os dois países enfrentam desafios no equilíbrio entre mineração e sustentabilidade. Então, as parcerias têm que ser cada vez mais discutidas, assim como a cooperação acadêmica e científica.
O Brasil pode ajudar na exploração mineral, mas também na exportação, na criação de joint ventures para agregar valor à produção antes da exportação.


CI: Os setores minerais em Angola têm recebido importantes investimentos estrangeiros. Quais são os incentivos e quais as oportunidades para os empresários brasileiros?
Maria Lima: Angola tem se preparado para uma fase nova no ambiente de negócios, que começou com a mudança no nosso Código de Mineração em 2023, que trouxe novidade quanto ao investimento estrangeiro. Ele protege o investidor num ecossistema legal e seguro juridicamente. Existe essa demanda do investimento estrangeiro para vários minerais, fosfato, ouro, cobre.
Na Lei do Investimento Privado, o governo prioriza setores estratégicos, como infraestrutura e energia renovável. Por outro lado, essa lei garante maior flexibilidade para investidores estrangeiros, elimina a exigência dos parceiros locais, que costumava ser um grande empecilho. Foram introduzidos benefícios fiscais e aduaneiros para projetos. Há benefícios fiscais relacionados ao imposto industrial, ao imposto sobre a aplicação de capitais, reduções de imposto predial para empreendimentos localizados em zonas prioritárias, isenção de direitos aduaneiros para equipamentos, materiais, bens importados e para a implementação de projetos.
CI: E como é a burocracia angolana para os investidores?
Maria Lima: Existe a facilitação de negócios através do guichê único do investidor, que simplifica os processos administrativos, e da Agência de Investimento Privado, que reduz burocracias e prazo para licenciamento de projetos. Há muita possibilidade de parcerias público-privadas para desenvolvimento de infraestrutura, de apoio à mineração, e existem benefícios adicionais para a exploração de minerais críticos. Angola também rubricou acordos bilaterais e multilaterais de proteção recíproca de investimentos.
Angola e Brasil estão cada vez mais próximos e foi por isso que, na presidência brasileira do G20, o presidente Lula esteve em contato com o presidente João Lourenço para que Angola participasse como convidado da cúpula ocorrida em novembro de 2024. Juntos reavivaram nossos acordos históricos de cooperação econômica, os bilaterais que incentivam o comércio e investimentos em todos os setores. Então, numa fase em que Angola busca diversificar sua economia pós-petróleo, o Brasil tem todo o potencial para ser o principal parceiro estratégico nessa transição.
CI: A língua portuguesa é uma aliada nas negociações entre os dois países. Que outros aspectos culturais são importantes?
Maria Lima: Angola e Brasil são muito parecidos. Só que a diferença é que, no aspecto referente à postura negocial, o Brasil está muito na frente de Angola. Os problemas que a gente ainda vive hoje em relação à legislação para proteger o investimento, ao acesso a tribunais e transparência nos negócios, o Brasil já ultrapassou. Colocar as cartas todas na mesa, trazer mais entendimento aos processos, trazer processo de arbitragem que permita uma celeridade na Justiça e resolução de problemas.
CI: Como acelerar essas parcerias?
Maria Lima: Tem que haver mais fóruns de discussão para partilharmos muito mais informação. Quando olhamos para questões como mineração sustentável como base para a transição energética, sentimos falta. Em ambos os países trabalhamos com tecnologias limpas, como baterias, turbinas eólicas e painéis solares. Angola tem riquezas minerais como cobre, cobalto e lítio, que são essenciais para essas baterias e eletrificação. Além de diamantes, fosfatos de ferro que contribuem para as cadeias globais de valor.
Já o Brasil possui experiência em mineração sustentável, com políticas de recuperação de áreas degradadas e uso de tecnologia de ponta no mundo. E, também, a expertise em exploração mineral para energia renovável.
CI: Acredita que esses fóruns de discussão teriam que ocorrer em ambiente empresarial e com participação dos governos?
Maria Lima: A gente tem que ter encontros bilaterais e fóruns como os da Firjan, porque colocam os atores dessas iniciativas juntos para discutir esses processos num ambiente que eles conhecem. Quando o ambiente é muito político, a gente não compreende qual é o impacto, não há uma continuidade. Temos que propiciar imersões empresariais dos dois países para ver os exemplos concretos, porque só ouvir o que cada nação pode oferecer não é suficiente.
CI: Qual perspectiva econômica de Angola para 2025?
Maria Lima: O governo de Angola está prevendo um crescimento econômico de 4,1% em 2025, impulsionado principalmente pelo mercado petrolífero. O próprio Banco Africano de Desenvolvimento estima um crescimento do PIB em 4,3% para o país em 2025, destacando a necessidade de aumentar a produtividade e melhorar o capital humano.
O governo está tentando projetar uma redução da taxa de inflação para 2025. Atualmente a inflação acumulada de 2024 está em 23%. Quer reduzir para 16,6% ainda este ano. Tudo isso passa por um esforço em produzir mais localmente e evitar a exposição a produtos importados; e também aumentar as exportações, principalmente de produtos agrícolas e minérios, através do corredor de trem que vai ligar vários países africanos até os portos.