Publicado em 22/05/2024 - Atualizado em 22/05/2024 12:13
CIDADES-ESPONJA
CONTRA INUNDAÇÕES
Transformando cidades em esponjas: abordagens sustentáveis para a gestão hídrica
"Estamos literalmente afogando nossas cidades". A frase, dita pelo renomado urbanista Kongjian Yu durante o Seminário de Segurança Hídrica 2024, organizado pela Firjan, não poderia ser mais pertinente diante das recentes inundações históricas no Rio Grande do Sul. As chuvas torrenciais que devastam a região, causando perdas incalculáveis e expondo a vulnerabilidade das infraestruturas tradicionais, ressaltam a necessidade urgente de soluções inovadoras e sustentáveis para a gestão da água.
Decano da Faculdade de Arquitetura e Paisagismo da Universidade de Pequim e inventor do termo "cidade-esponja", Yu antecipou o debate sobre a gestão hídrica sustentável no país, posicionou o Brasil na vanguarda dessa discussão e destacou que "a natureza pode resolver muitos dos nossos problemas de água de maneira eficiente e sustentável".
As ideias do urbanista oferecem uma abordagem prática e esperançosa para enfrentar desafios climáticos semelhantes aos que impactaram o Rio Grande do Sul, promovendo uma convivência mais harmoniosa entre as cidades e o meio ambiente. Conheça abaixo a ideia de Kongjian Yu.
Infraestrutura cinza x Infraestrutura verde
Os desafios enfrentados pela infraestrutura cinza são significativos. Embora útil em certas situações, essa abordagem não é sustentável e frequentemente destrói o ambiente natural, acumulando riscos a longo prazo. Estruturas de concreto podem conter temporariamente enchentes e fornecer soluções de curto prazo para poluição, mas acabam fragilizando a resiliência das cidades e promovendo a degradação ambiental. Em contrapartida, a infraestrutura verde imita os processos naturais para gerenciar a água de forma eficiente e sustentável, mantendo uma relação harmoniosa entre o homem e a natureza.
O conceito de cidades-esponja
As cidades-esponja são um exemplo claro de infraestrutura verde. Inspiradas pela sabedoria ancestral, são projetadas para absorver, armazenar e reutilizar a água da chuva. Durante a estação chuvosa, a água é capturada por diversos sistemas de retenção e infiltração, como jardins de chuva, lagos artificiais e áreas permeáveis. Durante a estação seca, a água é liberada de forma controlada para irrigação e outros usos urbanos. Esse processo não só ajuda a mitigar enchentes e secas, mas também purifica a água, criando paisagens urbanas mais bonitas e sustentáveis. Ao integrar parques, áreas verdes e corpos d'água naturais, as cidades-esponja proporcionam benefícios multifuncionais, como a recreação, a preservação da biodiversidade e a melhoria da qualidade do ar.
Implementação em diferentes escalas
A infraestrutura ecológica deve ser planejada em várias escalas – nacional, regional, local e até no âmbito dos quintais residenciais. Exemplos na China mostram que essa abordagem pode ser implementada de forma econômica e eficiente, com projetos que variam desde grandes áreas urbanas até pequenos bairros. Grandes cidades como Pequim e Guangzhou têm adotado esses princípios, naturalizando rios e criando extensas áreas verdes que funcionam como esponjas urbanas. Na esfera local, bairros inteiros estão sendo redesenhados com soluções de retenção de água. Essas soluções adaptativas ajudam a regular a água, limpar o solo e melhorar a resiliência climática.
Exemplos práticos na China e além
Diversos casos de sucesso na China, como a transformação de Guangzhou, onde rios foram naturalizados e áreas urbanas foram adaptadas para melhor gestão da água, demonstram a eficácia dessas iniciativas. O projeto de revitalização do rio Wuyang, que transformou um local poluído em um parque vibrante com florestas flutuantes, ilustra como essas intervenções podem reverter anos de degradação ambiental. Em Pequim, a implementação de sistemas de captação e armazenamento de água de chuva em parques urbanos tem reduzido significativamente o risco de enchentes. Além disso, em Bangkok, na Tailândia, uma antiga fábrica de tabaco foi convertida em um parque-esponja, demonstrando a viabilidade e os benefícios dessas soluções.
Transformação da infraestrutura
É essencial substituir a infraestrutura cinza por verde. Um mangue, por exemplo, pode atuar como uma barreira natural contra a elevação do nível do mar. Os mangues absorvem o impacto das ondas, reduzem a erosão costeira e servem como habitats para diversas espécies. Essa abordagem não só protege a cidade, mas também revitaliza o ecossistema local, demonstrando como soluções baseadas na natureza podem ser eficazes e sustentáveis. Em áreas urbanas, a remoção de concreto e a criação de áreas permeáveis, como jardins de infiltração e corredores verdes, podem transformar drasticamente a capacidade de uma cidade de lidar com inundações e melhorar a qualidade da água. Projetos em várias cidades chinesas mostram que essa transição pode ser feita de forma gradual e integrada, garantindo que a infraestrutura existente seja adaptada e reutilizada de maneira sustentável.
Limpeza e gestão da água
Para lidar com a poluição da água, soluções baseadas na natureza podem filtrá-la e purificá-la de maneira eficiente. Um exemplo é a criação de uma colina-esponja que utiliza nutrientes naturais para limpar esgoto e resíduos agrícolas antes que contaminem rios e oceanos. Esse sistema de tratamento natural usa plantas e solo para absorver e decompor poluentes, promovendo um ambiente aquático saudável. Além disso, zonas úmidas construídas podem servir como biofiltros, removendo contaminantes e melhorando a qualidade da água antes de ela ser liberada de volta aos corpos d'água. Esse método não só purifica a água, mas também promove o crescimento de vegetação saudável, contribuindo para a recuperação do habitat natural.
Visão para o futuro
A visão de um "planeta-esponja" propõe que cidades ao redor do mundo adotem soluções baseadas na natureza para enfrentar desafios como enchentes, secas e poluição. Aprender com a natureza e aplicar essa sabedoria de forma holística pode transformar as cidades e criar um planeta mais resiliente e sustentável. A integração de infraestrutura verde em planejamento urbano não só resolve problemas hídricos, mas também cria ambientes urbanos mais agradáveis e saudáveis. A mensagem é clara: com planejamento sábio e o uso de tecnologias naturais, podemos criar um ambiente urbano que beneficie tanto a humanidade quanto o meio ambiente.
Para saber mais:
As cidades-esponja da China, apresentadas pelo urbanista Kongjian Yu, foram destaque em abril, no segundo dia do Seminário correalizado pela Firjan, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS). Clique aqui e assista a íntegra do evento.