Uallace Moreira Lima, secretário de Desenvolvimento do MDIC (Foto: Gabriel Lemes)

UM PLANO SAFRA
PARA A INDÚSTRIA


Secretário nacional de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços quer transformar o eixo de financiamento do programa em projeto de Estado

 

Promover uma indústria mais inovadora e digital, mais verde, mais exportadora e mais produtiva. Os pontos são destacados por Uallace Moreira Lima, secretário nacional de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços, do MDIC. Com um extenso e diversificado currículo como consultor e professor de Desenvolvimento Econômico, ele assumiu seu primeiro cargo administrativo estatal em 2023 e está à frente da implantação do novo programa industrial para o país, o Nova Indústria Brasil. O reconhecimento acerca da importância do programa por parte das entidades representantes da indústria, entre elas a Firjan, é um dos pontos que Moreira Lima enfatiza nesta entrevista à Carta da Indústria, quando falou sobre a proposta de neoindustrialização brasileira, expressão cunhada por Geraldo Alckmin, ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e vice-presidente da República. Abaixo, ele explica a política industrial, fala do estado do Rio e de pequenas empresas, entre outros tópicos.

 

CI: O Nova Indústria Brasil tem uma dotação inicial de R$ 300 bilhões em financiamentos a serem concedidos nos próximos dois anos, mas projeta ações com implementação até 2033. Esse programa se estenderá para os próximos governos?

Uallace Moreira Lima: A construção do Nova Indústria Brasil caminhou simultaneamente com a construção e implementação de outras políticas. Em janeiro, fizemos a apresentação do documento com os instrumentos que permeiam todas as seis missões, que já vinham sendo implantadas. Por isso criamos o plano Mais Produção, o eixo de financiamento do programa, com R$ 300 bilhões de linhas de crédito geridos pelo BNDES, pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e pela Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), para termos uma indústria mais inovadora e digital, mais verde, mais exportadora e mais produtiva. Estávamos construindo a política no documento e já implementando os instrumentos que vão promover a transformação ecológica, a utilização de fertilizantes no Brasil, o complexo econômico industrial da saúde, o incentivo à tecnologia. Estamos começando com R$ 300 bilhões como piso para as empresas captarem e fazerem investimentos produtivos. Queremos que o Mais Produção se torne um projeto de Estado, que permaneça, independentemente do governo, como o agronegócio tem, de forma muito exitosa, o plano Safra. É isso que queremos oferecer para a indústria.

 

CI: Como transformar o programa em projeto de Estado? 

Uallace Moreira Lima: O produto sempre estará em construção, não é entregue acabado. À medida que tivermos êxito no adensamento e desenvolvimento dessas cadeias produtivas, o Brasil vai adentrar em qualquer fronteira tecnológica e eventualmente também liderar rotas tecnológicas, principalmente na parte de transição energética. O Nova Indústria Brasil coloca o Brasil do presente na fronteira tecnológica da Indústria 4.0, enquanto prepara o país para os desafios novos do futuro. O Brasil já tem capacidades internas construídas que facilitam o processo de efetivação da política industrial. Os setores do biodiesel, do biocombustível, da transição energética, do desenvolvimento de hidrogênio, do automotivo, da transição do carro flex, desenvolvido e produzido no Brasil, do fortalecimento do setor da base industrial de defesa, com empresas como a Embraer, todo esse ecossistema já construído tem que ser explorado o mais rapidamente possível, porque a resposta que ele dará à sociedade será muito rápida. O plano não é estático. Nenhuma política pública é estática, mas sim dinâmica. Precisamos observar e avaliar a evolução, as mudanças, os novos desafios. Se tivermos novamente uma pandemia, precisaremos repensar tudo. Imprevisibilidades acontecem. Em economia, brincamos que o risco a gente calcula, as incertezas, nunca. Temos sempre de estar preparados para as incertezas.

 

CI: Estruturado em seis missões (cadeias agroindustriais, saúde, bem-estar, digitalização e inovação industrial, transição energética descarbonizada, ações no setor de Defesa), o Nova Indústria Brasil incentiva a sustentabilidade e a inovação. Como tem se mostrado a aceitação do empresariado a essas propostas?

Uallace Moreira Lima: Logo após o lançamento do programa, as entidades produtivas de todo o país, inclusive a Firjan, assinaram um documento de apoio ao plano, reconhecendo que as metas de política industrial estão na fronteira do que há de mais moderno para o país. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial não funcionou ao longo da gestão anterior. Sua retomada em 2023, liderada pelo ministro Alckmin, é estratégica para a construção da neoindustrialização, associada à implementação de políticas que mostram à sociedade a importância dessa pauta para a geração de emprego e renda. A visão moderna do setor empresarial é sempre importante. Hoje, o empresário, o empreendedor e o grande capital têm que enfrentar os novos desafios da transição energética, da sustentabilidade e da responsabilidade social. O Nova Indústria Brasil tem isso como foco porque incorporou a perspectiva de missões. Ao divulgarem uma carta de apoio, as entidades produtivas demonstram um alinhamento total com esses desafios. 

 

Uallace Moreira Lima: A Finep e o BNDES estão no programa exatamente para contribuir com as pequenas e médias empresas, com linhas de crédito ativas (Fotos: Gabriel Lemes/Divulgação/Mdic)

 

CI: Metas de sustentabilidade e inovação, que se mostram presentes nas seis missões, são prioridades do Nova Indústria Brasil? 

Uallace Moreira Lima: A perspectiva das missões estabelece uma horizontalidade da política. Prioridade é trazer o bem-estar para a sociedade. Assim, todas as políticas são prioritárias, à medida que promovem o bem-estar da sociedade, geram emprego e, ao mesmo tempo, vão mostrando resultados. As missões perpassam alguns temas essenciais, como a sustentabilidade e a inovação. Quando falamos na mobilidade das populações urbanas, estamos tratando do bem-estar das pessoas, do plano do combustível do futuro. É fundamental pensar nos meios de transporte no Brasil, tanto o rodoviário quanto o pouco usado ferroviário, para reduzir o espaço temporal de deslocamento e melhorar a qualidade de vida das pessoas. O programa explora todas as novas rotas tecnológicas, contribuindo para o melhor potencial do país e, ao mesmo tempo, para a descarbonização, incorporando a renovação das frotas de ônibus e caminhões. 

 

CI: O programa Nova Indústria Brasil prevê aportes constantes para as linhas de financiamento e fundos garantidores operados pelas entidades de fomento, entre elas o BNDES. Um dos desafios é promover o acesso das pequenas empresas a esses recursos, uma vez que são operados indiretamente ao segmento através de agentes financeiros. Há ações previstas para tratar a questão?

Uallace Moreira Lima: A Finep e o BNDES estão no programa exatamente para contribuir com as pequenas e médias empresas, com linhas de crédito ativas. A preocupação do governo com esse setor é muito grande. Atualmente, os bancos públicos – BNDES, Caixa Econômica e Banco do Brasil – são as instituições que mais atendem micro e pequenas empresas no país. O programa pretende fortalecer essas iniciativas, aproveitando o mapeamento da situação das empresas, já realizado por esses agentes financeiros, que estabelecem a maturidade das companhias. Em um segundo momento, pretendemos fazer com que essa empresa transite para o acesso ao crédito, obtendo equipamentos e máquinas, a fim de iniciar o processo de transformação digital, que deverá alcançar 90% das empresas brasileiras. Cada indústria tem seus próprios desafios e não posso generalizar o que é necessário para uma ou para outra. O ponto fundamental é ter uma perspectiva de previsibilidade. 

 

CI: No cenário de transição energética, abordado em diversos pontos do programa, o que é apontado para as indústrias do Rio de Janeiro?

Uallace Moreira Lima: A importância do Rio de Janeiro é primordial, pois concentra fontes para a transição energética com riquezas naturais, como o petróleo, que podem contribuir com a reinjeção do gás para a fabricação de fertilizantes, fundamental para o agronegócio brasileiro. O Rio de Janeiro tem um ecossistema para o setor automotivo, principalmente na fabricação de carros leves. Estamos falando de um estado com potencialidades já construídas e que estão todas contempladas nas missões. É um dos estados fundamentais em nosso projeto, pois investe em novas formas de energia limpa, como o parque eólico offshore, um setor estratégico nesse processo de transição energética. O Brasil já tem uma matriz elétrica que ninguém dispõe no mundo. Ninguém consegue produzir um carro com bateria elétrica com fonte de energia mais limpa do que o Brasil. Ter essa matriz elétrica muito limpa é uma vantagem. O hidrogênio verde também ganha um aspecto estratégico fundamental. O Ministério de Minas e Energia tem trabalhado com o adensamento de cadeias produtivas com os minerais chamados críticos. Ter esses elementos e uma matriz elétrica 80% limpa são riquezas, um grande trunfo, sem dúvida, para o desenvolvimento. 

 

CI: A saúde é abordada no programa com ênfase no ponto de vista tecnológico, visando produzir mais e melhores medicamentos e vacinas. É outro eixo estratégico para o país?

Uallace Moreira Lima: O programa quer fortalecer o SUS e tornar as cadeias produtivas de medicamentos mais resilientes. Se não tivéssemos o SUS, a pandemia poderia ter causado um dano muito maior ao país. A participação do SUS no combate à Covid-19 deixou muito claro que, embora esse seja um setor muito bem desenvolvido, precisa se fortalecer. O programa oferece linhas de crédito para desenvolvimento de vacinas, para reduzir a dependência externa de importação do Brasil e pensar nossa cadeia produtiva em saúde, inclusive a fim de promover maior exportação. Também enfatiza a necessidade de parcerias estratégicas através de trocas comerciais e tecnológicas com outros países. Temos instituições de ponta em pesquisa e produção de medicamentos, como a Fiocruz, no Rio de Janeiro, e o Butantan, em São Paulo, que vêm avançando para fabricar vacinas contra dengue. Já dispomos desse ecossistema formado, agora é fazer linhas de crédito e investir em compras públicas para o setor, a fim de adensar essas cadeias produtivas.

 

CI: Qual o potencial da missão que trata do setor de Defesa?

Uallace Moreira Lima: A base industrial de defesa tem grande dualidade em um de seus aspectos mais relevantes, a tecnologia. A defesa é um setor estratégico com ecossistema de alta complexidade tecnológica formada. Quando se fortalece a base tecnológica da Defesa, há um efeito de transbordamento que ajuda outros setores, entre eles as telecomunicações, a construção aeroespacial, a própria medicina nuclear e, atualmente, a inteligência artificial. O Brasil produz aeronaves, foguetes, mas o setor é maior do que essa aplicação, ele se desenvolve para outras áreas.