

Publicado em 03/09/2025 - Atualizado em 03/09/2025 14:48
APRENDER, ENSINAR
E TRANSFORMAR
Com uma trajetória marcada pela inovação pedagógica e pela defesa da gestão democrática na educação, o professor português e idealizador da Escola da Ponte, José Pacheco, foi um dos destaques do III Encontro de Educadores do Século XXI, realizado pela Firjan SESI. A Casa Firjan foi palco de palestras e debates sobre educação em tempos de complexidade, que reuniram cerca de 2 mil pessoas durante dois dias na primeira quinzena de julho.
Em sua palestra, o educador provocou o público com uma poderosa reflexão sobre o tema “Novas Construções Sociais de Aprendizagem”, defendendo uma escola que vá além da instrução tradicional e promova, de fato, a formação de sujeitos críticos, éticos e colaborativos.
A Escola da Ponte, fundada por ele em 1976, em São Tomé de Negrelos, Portugal, é uma abordagem educacional inovadora. Esse modelo de ensino se destaca por sua filosofia centrada no aluno, em que o foco está na autonomia, na colaboração e na personalização do aprendizado.
“É preciso um pacto nacional pela educação com equidade”, afirmou, chamando governos, sociedade civil e setor privado à responsabilidade coletiva por uma transformação profunda da escola pública brasileira.
José Pacheco é provocador sobre o verdadeiro significado de aprender e os caminhos para uma educação mais humana e transformadora. Sua fala se desenvolve a partir de uma pergunta central — o que é aprender? — e propõe uma desconstrução dos modelos tradicionais, baseados na lógica da transmissão de conteúdo e da avaliação por desempenho.
Abaixo, os principais temas abordados por José Pacheco:
Caráter subjetivo da aprendizagem
“Aprender é um processo vivo, relacional e profundamente humano. Não é apenas adquirir informações, mas construir sentidos a partir das experiências, das interações, dos afetos. A escola, ao longo do tempo, priorizou a memorização, os currículos rígidos e a uniformização das trajetórias, mas isso tem pouco a ver com os verdadeiros processos de formação. É preciso resgatar o caráter subjetivo da aprendizagem, em que cada estudante é um universo e carrega seus próprios tempos, saberes e formas de se relacionar com o mundo”.
Ambientes com segurança emocional
“Ninguém ensina de forma mecânica. O conhecimento não se transfere. Ele se constrói. E para isso, é essencial criar ambientes educativos que promovam segurança emocional, escuta ativa, diálogo e pertencimento. O vínculo entre professor e aluno é um dos principais catalisadores da aprendizagem. Onde há afeto, há confiança; onde há confiança, há espaço para experimentar, errar, recomeçar e crescer.”


Coragem para errar
“O erro, aliás, é tratado como uma parte fundamental do processo. A cultura do erro como fracasso precisa ser substituída por uma cultura do erro como tentativa, descoberta e reelaboração. Aprender exige coragem para errar e isso só é possível se a escola deixar de ser um espaço punitivo e passar a ser um espaço de acolhimento e experimentação.”
Mais que transferir conhecimento
“Mais do que detentor do saber, o educador deve ser um mediador de sentidos, um facilitador de processos, alguém que provoca, escuta e aprende junto. O professor que acolhe a complexidade de seus alunos, seus contextos, suas emoções, suas resistências é o que realmente os conduz a descobertas potentes. Ensinar, nesse sentido, não é transferir conhecimento, mas criar condições para que ele aconteça.”
Protagonismo estudantil
“Alguns exemplos concretos de práticas pedagógicas inovadoras: metodologias que valorizam a cooperação entre alunos, o protagonismo estudantil, a interdisciplinaridade e o uso de linguagens múltiplas. É importante valorizar as artes, a cultura popular, a oralidade e a ludicidade como formas legítimas e eficazes de aprender. A escola precisa dialogar com a vida, com o território e com os saberes que os alunos carregam.”
A curiosidade aguça o aprendizado
“O cérebro aprende mais e melhor quando está em estado de curiosidade, envolvimento emocional e interação social. Aprendizagem significativa acontece quando o conteúdo faz sentido para quem aprende, quando está conectado com suas experiências, desejos e sonhos.”
Ato de amor e esperança
“A educação é apresentada como um ato de amor e esperança. Ensinar é acreditar que o mundo pode ser diferente e que cada estudante tem potência para construir esse novo mundo. O educador é como alguém que planta sementes. Sementes que talvez ele nunca veja florescer, mas que transformarão vidas. É um chamado à coragem, à escuta e à reinvenção da prática docente.”
Presente e futuro
“A escola deve preparar os estudantes não apenas para os desafios de hoje, mas também para o que virá no futuro. Para isso, é fundamental promover competências essenciais como: pensamento crítico, empatia, colaboração, responsabilidade social.”
Currículo flexível
“O currículo deve ser mais flexível, que seja conectado ao território onde os estudantes vivem. Além disso, a participação ativa dos jovens na formulação de políticas educacionais é fundamental, para que eles tenham voz e possam influenciar o que aprendem e como aprendem.”
Educação sustentável
“A relação entre educação, democracia e desenvolvimento sustentável é primordial. Tenho convicção de que, sem uma educação com propósito, não há uma democracia sólida nem um desenvolvimento sustentável. A educação é a base para construirmos uma sociedade mais justa, equilibrada e sustentável.”
“A escola deve formar indivíduos éticos, livres e capazes de colaborar com os outros.. Para isso, é preciso repensar como as pessoas se relacionam, ensinam e aprendem, promovendo uma transformação profunda na educação.”
Pacto nacional pela educação
“Estou convencido de que é urgente estabelecer um pacto que envolva governos, sociedade civil e setor privado, todos reunidos em torno de um objetivo comum: transformar a escola pública brasileira. Essa união é essencial para garantir uma educação mais justa, inclusiva e de qualidade para todos.”
Obstáculos contra a educação
“Há alguns grandes obstáculos para que se faça a escola de que a sociedade precisa. O primeiro é a cultura tradicional; portanto, vai ser preciso que a formação do professor se transforme. Depois há, por exemplo, a sociedade que acredita que a escola deve ser onde se aplica a norma.”
Aprendizado não precisa de escola
“As escolas têm de ter autonomia efetiva e estabilidade das equipes. Se isso acontecer, será possível enfrentar outras pandemias, que virão certamente, sem prejuízo para a aprendizagem. O currículo tem de ser alterado profundamente, o professor tem de passar a construir projetos com os colegas – não em sala de aula, mas em espaços de aprendizagem variados. É possível aprender dentro da escola, na natureza, na internet, na praça, na biblioteca, no centro cultural – os espaços são múltiplos.”