Publicado em 31/07/2024 - Atualizado em 19/08/2024 13:31
DIREITOS HUMANOS
NA AGENDA EMPRESARIAL
Implementar e difundir políticas claras, monitorar a cadeia de suprimentos e fomentar a cultura de direitos humanos são passos que podem evitar riscos para empresas que ainda não aplicam políticas e processos estruturados nessa direção. O entendimento é de Tamara Rocha de Oliveira, sócia-diretora da prática de Forensic & Litigation da KPMG no Brasil, que analisa, em entrevista exclusiva para a Carta da Indústria, resultados da “Pesquisa Direitos Humanos nos Negócios: Impactos e Desafios”. O estudo foi elaborado pela KPMG no final de 2023, com a participação de 50 profissionais de empresas de diferentes setores da economia e de todas as regiões do Brasil. Tamara, que este ano esteve no Conselho de Responsabilidade Social da Firjan para falar sobre o tema, apresenta diversas dicas de como as empresas podem começar a implementar suas políticas nesse campo.
CI: Quais os maiores desafios identificados em relação à agenda de direitos humanos e empresas?
Tamara Oliveira: Os principais desafios identificados na pesquisa foram as questões de integração dos direitos humanos nas estratégias corporativas, porque muitas empresas ainda não incorporaram completamente esses princípios. Outro ponto é a questão do monitoramento e do controle na cadeia de fornecimento, já que a gestão dos direitos humanos entre os fornecedores é uma área crítica, com riscos significativos de violações diretas. Por último, a capacitação e conscientização, uma vez que existe a necessidade contínua de a empresa investir em treinamentos de funcionários e fornecedores sobre essas práticas de direitos humanos. Esses desafios destacam a importância de uma abordagem abrangente e proativa para garantir o respeito aos direitos humanos em todos os níveis da operação da empresa.
CI: A pesquisa da KPMG revela que 94% das empresas priorizam o combate à discriminação, mas apenas 26% têm metas definidas relacionadas a esses princípios. Como reduzir essa diferença?
Tamara Oliveira: Primeiro, estabelecer metas claras e mensuráveis. Não adianta ter uma meta que não consegue medir. Integrar as questões de direitos humanos nos objetivos de desempenho e apresentar isso nos relatórios de sustentabilidade da empresa. Segundo, investir em capacitação e treinamento, através de workshops e treinamentos contínuos para todas as pessoas, funcionários e terceiros de toda a gama da cadeia de fornecimento da empresa, para difundir a importância das metas. Por último, promover o engajamento da liderança. A alta liderança precisa ser incentivada a se comprometer a fomentar a cultura de direitos humanos dentro e fora da organização.
CI: Quais dados da pesquisa demonstram maturidade das organizações brasileiras em diversos tópicos relacionados à abordagem dos direitos humanos nas empresas?
Tamara Oliveira: O que mais demonstrou essa maturidade foi que 70% das empresas já possuem políticas e diretrizes sobre direitos humanos; 94% priorizam o combate à discriminação no ambiente de trabalho; e 92% implementam políticas de saúde e segurança. Esse é um percentual fantástico, e 86% oferecem acesso a mecanismos de denúncia. Esses dados refletem um compromisso estruturado das empresas para promover e proteger esses direitos nas operações. No entanto, ainda há muito espaço para melhorias, especialmente quando se fala de definição de meta clara e mensurável. O que a gente pode também avaliar é como essas empresas estão trazendo a questão de transparência para assegurar o cumprimento dessas políticas. Existem as políticas, mas muitas vezes não conseguimos ver se elas estão de fato sendo aplicadas com todo o ecossistema que ela promove, com as comunidades, funcionários e terceiros.
CI: A pesquisa constata que apenas 22% das empresas realizam análise de impacto em direitos humanos de suas atividades e 34% incluem o tema em sua matriz de riscos corporativa. Como você analisa esses números?
Tamara Oliveira: Esses números sugerem que muitas empresas ainda não compreenderam plenamente os riscos e impactos das suas operações, em termos de direitos humanos. Estou evidenciando, por exemplo, a necessidade de maior conscientização dessas práticas internamente. Um outro ponto é a inclusão de análises de impacto de direitos humanos numa matriz de riscos corporativos. Vai ser crucial para a empresa identificar, avaliar e mitigar essas possíveis violações. Quando a empresa quer garantir uma abordagem mais responsável e ética, ela deve ter minimamente esses riscos mapeados. Portanto, embora haja avanços em algumas empresas, os dados destacam que há necessidade de um esforço contínuo para fortalecer a conscientização de integração das práticas de direitos humanos e estratégias.
CI: Sobre o dado de que 70% das empresas pesquisadas têm políticas e diretrizes específicas sobre direitos humanos, isso inclui as de pequeno e médio portes?
Tamara Oliveira: O estudo mostra que 70% das empresas pesquisadas têm essas políticas e diretrizes, mas as grandes companhias e multinacionais são a maioria na pesquisa. As pequenas e médias, embora tenham tido oportunidade de participar do estudo, não tiveram interesse ou não se sentiram preparadas para responder às perguntas ou, ainda, podem ter considerado que a pesquisa não era para elas, que não têm isso, mas, às vezes, têm. A questão da nomenclatura direitos humanos pode confundir o funcionário que não tem a informação de que o tema inclui saúde e segurança, políticas de RH e comunidade local. Isso nos sugere a necessidade de incentivar que essas organizações adotem, implementem e divulguem essas políticas internamente de forma que todos tenham consciência do que possuem.
CI: Quais conselhos você daria às pequenas e médias empresas que ainda não possuem processos estruturados sobre direitos humanos? Como devem começar?
Tamara Oliveira: Primeiramente, deve-se estabelecer uma política, definir o que entendem por direitos humanos, quais ações estão executando com relação a esse tema, geralmente é uma política de RH. O segundo passo é fazer treinamentos de divulgação dessa política constantemente e saber lidar com ela; por exemplo, tratar de forma extremamente séria um canal para ouvir as pessoas ou para receber eventuais denúncias. Tratar com a mesma relevância as denúncias de direitos humanos, como discriminação, assédio moral e assédio sexual, e as que envolvem desvio de dinheiro do caixa da empresa ou fraude. A investigação deve ser transparente, proteger a vítima, não ter retaliação, não expor quem fez a denúncia e ter uma decisão justa, com provas e o entendimento dos fatos para tomar uma decisão. E todas as denúncias da mesma natureza devem ser tratadas da mesma forma, independentemente do cargo e da área do denunciante.
CI: Quais os riscos para as empresas que ainda não aplicam políticas e processos estruturados de direitos humanos?
Tamara Oliveira: Empresas que não aplicam processos em direitos humanos enfrentam riscos significativos, como de imagem e de reputação, além de riscos legais, quando o funcionário ou terceiro entra com um processo ou o próprio Ministério Público do Trabalho identifica problemas, causando sanções ou multas pela não conformidade com regulamentações. Há também riscos operacionais; de perda de talento, devido a alguma prática inadequada; financeiros, por conta de processo ou disputa que a empresa tenha que pagar; e perda de confiança de investidores, que avaliam questões de ESG das empresas antes de investirem.
CI: De acordo com o estudo da KPMG, 36% das empresas não adotam política de engajamento com as comunidades vizinhas e com os stakeholders. Isso sinaliza a necessidade de disseminar e aprimorar essa interação? Como ela pode ser difundida?
Tamara Oliveira: As empresas podem estabelecer um canal de comunicação aberto e transparente, fazer, por exemplo, parceria com organizações da sociedade local. Podem realizar consulta regular com as comunidades para entender as necessidades e as preocupações delas. Por exemplo, se a empresa vai fazer uma obra, deve conhecer a preocupação que essa comunidade local tem e como pode prestar contas para colaborar com essas dúvidas. Também é importante divulgar as boas práticas e resultados positivos que obtêm nessas ações. Isso fortalece o laço com as comunidades, com os investidores, com todo o ecossistema da empresa. Promove confiança e colaboração, essencial para o desenvolvimento sustentável e responsável da empresa.
CI: O Parlamento Europeu aprovou em abril deste ano a Diretiva de Devida Diligência em Sustentabilidade Corporativa – CS3D (Corporate Sustainability Due Diligence Directive), que traz parâmetros que devem ser adotados pelas empresas para garantir a proteção ambiental, o combate às mudanças climáticas e os direitos humanos. Como a nova regulação europeia impacta o mercado brasileiro?
Tamara Oliveira: Essa nova regulamentação aumenta a pressão sobre as exportadoras no Brasil. Elas precisam cumprir padrões mais rigorosos para atender à legislação dos países para onde estão exportando. Além disso, as normas de fora influenciam nossas políticas internas, com alinhamento a esses requisitos internacionais, o que pode ajudar a elevar os padrões de atuação das empresas. Isso cria muitas oportunidades no mercado global para quem já adotou as boas práticas. O legal da legislação é que abrange a questão ambiental, intrinsecamente ligada à social. Ela abre portas para empresas comprometidas, mas é um desafio para as que ainda precisam implementar esse processo.
CI: Qual a correlação da agenda ESG com a pauta de direitos humanos?
Tamara Oliveira: A agenda ESG está intrinsecamente ligada à pauta de direitos humanos. A correlação com mais evidência é com o Social, porque abrange igualdade, condições de trabalho justas e respeito aos direitos das comunidades. Mas os pilares Ambiental e de Governança também são significativos. No aspecto ambiental, as práticas sustentáveis das empresas contribuem para a proteção dos direitos humanos, para garantir o ambiente saudável ou até de saúde para pessoas que consomem seus produtos e as comunidades locais. A governança tem a questão da implementação dessas políticas, com transparência e ética, que vão ajudar a promover os direitos humanos, assegurando as decisões empresariais com relação aos princípios de equidade e justiça. Toda a agenda ESG está 100% ligada ao tema, reforçando e ampliando a proteção dos direitos humanos através de uma abordagem holística e integrada dessas frentes.