Ilustração de mulheres de todas as raças diversidade

DIVERSIDADE: SINAIS DE
AVANÇO NA INDÚSTRIA


Lideranças empresariais femininas contam suas experiências e falam do caminho ainda a ser percorrido no país

 

Desde a infância, Nina Renata Pedrosa sentia ser uma mulher dentro de um corpo masculino. Economista, diretora do Sindicato das Indústrias Mecânicas e de Material Elétrico do Município do Rio de Janeiro (Simme) e sócia da Pró-Máquinas, há cerca de três anos Nina decidiu fazer a transição de gênero. “Descobri então particularidades da experiência feminina. Em reuniões, comecei a ser interrompida quando falava, algo que jamais aconteceu quando meu aspecto era de um homem. Agora, se alguém tenta falar em cima do meu discurso, ou aguardo e pergunto se terei a permissão para continuar ou imposto a voz, que soa mais grave e se impõe sobre quem pretende me interromper”. 

 

Empresária Nina Pedrosa aposta na paridade salarial como principal redutor da desigualdade entre homens e mulheres na liderança (Foto: Arquivo pessoal)

 

O chamado ‘manterrupting’, termo cunhado por estudos feministas, é uma prática comum. Em outras épocas, o assédio – moral ou sexual – era um tema invisibilizado no ambiente de trabalho. “Para combater o assediador, a mulher dava um sorriso amarelo, fingia que não estava entendendo. Se promovida, nunca era por mérito próprio, mas devido à proteção de algum homem. Hoje, existe uma legislação que coíbe o assédio, fruto de uma cultura machista que ainda desmerece a capacidade das mulheres de crescimento na carreira”, afirma Carla Pinheiro, presidente do Conselho Empresarial de Mulheres da Firjan.

 

As mulheres correspondem a 51,48% da população brasileira, segundo o Censo de 2022. No entanto, a representatividade feminina em cargos de liderança continua reduzida – apesar do visível aumento do número de mulheres na força de trabalho. Um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) de 2023 aponta que os homens ocupam 71% das posições de decisão do setor. A partir de março, a Firjan oferecerá uma trilha que vai estimular o aumento da presença feminina nas decisões das empresas.

 

 

“Estamos iniciando os modelos dessa trilha, que terá aula inaugural no mês dedicado às mulheres. Muitas empresas de nossa base já seguem programas para ampliar a diversidade de gênero em suas estruturas, mas há muitas que sequer sabem como começar a implantar essa política. A diversidade melhora a qualidade do trabalho e do produto oferecido”, ressalta Carla, à frente do Conselho desde sua criação, em junho de 2022. “Através do Conselho, a Firjan levou a pauta da ampliação da diversidade para os municípios fluminenses, aproximando-se das ações do estado e das prefeituras, e entrando em contato com a representação local da ONU Mulheres, investindo em um tema legítimo e inevitável”, lembra Carla.

 

Primeira mulher a liderar uma entidade de classe na área, fundadora da Associação de Joalheiros e Relojoeiros do Rio (Ajorio), Carla Pinheiro trabalhou como engenheira até 1997, quando passou a sócia da empresa da família, a Art’Lev Design de Joias, entrando em um setor cuja maior parte de produção se destina a mulheres, mas mantém ampla maioria de homens na força de trabalho e nas altas direções das empresas. “Hoje temos várias mulheres no design de joias, mas a ourivesaria ainda resiste à entrada feminina. E as grandes joalherias ainda são dirigidas por homens. É uma situação que se reflete em toda a indústria, com exceção, talvez, do setor têxtil, cuja base é formada por mulheres”, avalia Carla, que também preside o Sindicato das Indústrias de Joalheria, Lapidação e Pedras Preciosas do Estado do Rio de Janeiro (Sindijoias).

 

Carla Pinheiro, à frente do Conselho Empresarial de Mulheres da Firjan, trabalha para que mais empresas ampliem a diversidade de gênero em suas estruturas (Foto: Arquivo pessoal)

 

Paridade salarial

 

Fora as interrupções de fala em reuniões, Nina Pedrosa não experimentou muita diferença em tratamento pelos empresários depois da transição de gênero. Participa do Conselho Empresarial de Economia da Firjan, onde não viu muita diferença nos encontros com os pares. “Poucos sabem que 29 de janeiro é o Dia Nacional da Visibilidade Trans. Alguns ainda me chamam pelo nome do registro masculino. Outros me cumprimentam com beijinhos, como fazem com as mulheres cis”, conta Nina, que aposta na paridade salarial como principal redutor da desigualdade entre homens e mulheres na liderança. 

 

A mudança na estrutura patriarcal da sociedade impede a ascensão feminina, principalmente em países como o Brasil, aponta Nina: “Empresas estrangeiras abrem mais espaço para mulheres. Aqui, no entanto, a resistência ainda é muito grande. O trabalho feminino não é valorizado, embora as mulheres desempenhem as funções de cuidadoras da família e dos lares, mesmo quando exercem uma profissão fora de casa. A diferença salarial é fator de proteção ao patriarcado, tanto que mulheres trans, nos Estados Unidos, ganham, em média, 20% a menos do que os homens”, observa a empresária, que é ativista nas áreas de acolhimento e de educação pré-vestibular, voltados para pessoas transgênero.

 

A empresária Rosângela Mathias defende investimentos na qualificação das mulheres para ampliar a presença delas em cargos de liderança (Foto: Arquivo pessoal)

 

Capacitação

 

Para Rosângela Mathias, presidente em exercício do Sindicato das Indústrias de Alfaiataria e Confecção de Roupas de Niterói (Sindiconf) e sócia-proprietária da Bless You Roupas e Acessórios, investir na qualificação das mulheres deve modificar o cenário de maioria masculina na liderança das empresas. “A mudança da cultura é essencial. Cansei de ouvir que era uma mulher muito inteligente em tom de ironia, quando discordava de uma posição. A mulher é ofendida como se fosse uma brincadeira, que hoje a legislação considera assédio moral. A chave para essa mudança está na capacitação”, frisa ela, que é uma liderança feminina negra. 

 

Administradora de empresas, Rosângela trabalhou em outros setores antes de ingressar na indústria têxtil e conta sempre ter buscado valorizar os subordinados pelo desempenho, enquanto enfatiza, como líder sindical, a necessidade de maior oferta de vagas em cursos de qualificação em produção e administração. “Estou num setor de maioria feminina, e boa parte dessas mulheres, pretas ou brancas, mas sempre pobres, é chefe de família. Muitas costureiras trabalham em casa, cuidam de idosos, dos netos, pagam a faculdade dos filhos. Precisamos valorizar essas mulheres, oferecendo a elas possibilidades reais de melhor remuneração através de mais conhecimento. O machismo só pode ser combatido com educação”, acredita Rosângela.