Michelle Queiroz, da Rede Longevidade (Foto: Divulgação)

DIVERSIDADE ETÁRIA
EM PAUTA NAS EMPRESAS


Mestre em Administração pela UFMG e professora associada da Fundação Dom Cabral, Michelle Queiroz fundou a Rede Longevidade há dez anos, ao perceber que, enquanto a imensa maioria de projetos sociais se destina a crianças, poucas iniciativas contemplavam os mais velhos. Ao mesmo tempo, a expectativa de vida aumentou em todo o mundo, mas as empresas privilegiam a contratação de pessoas jovens, dispensando colaboradores a partir dos 50 anos. À frente da Rede, Michelle tem levado o tema para a pauta de empresas, criando eventos que discutem as questões do envelhecimento produtivo e até auxiliando quem está para se aposentar no enfrentamento de um novo ciclo de vida. 

 

Conselheira do Internacional Longevity Centre (ILC/Brasil) e membro do GT 60+ do Grupo Mulheres do Brasil, Michelle Queiroz – que participou da 6ª edição do Festival Futuros Possíveis, da Casa Firjan, em novembro, apresentando o painel Impactos da longevidade no trabalho, na economia e na sociedade – conversou com a Carta da Indústria sobre o panorama da maturidade no Brasil. 

 

CI: O que mudou em dez anos de funcionamento da Rede Longevidade?

Michelle Queiroz: Ao longo desse tempo, cada vez mais temos pessoas robustas de 60 a 80 anos. Os níveis de complicação, na maioria dos casos, começam a aparecer depois dos 80 anos. A previsão é que boa parte das pessoas alcance e até passe dos 100 anos de vida. Quem chega aos 60 anos tem ainda, pelo menos, 30 anos de vida adulta pela frente. Isso é o que verificamos. Dentro da organização, recebemos um número maior de jovens interessados na pauta da longevidade. São pessoas que querem se preparar para uma velhice ativa, consciente, saudável. Afinal, a Organização Mundial de Saúde (OMS) constatou que hoje temos mais avós do que netos. Há menos crianças de 0 a 4 anos do que pessoas acima de 65. A Rede Longevidade trata da população idosa ativa. Não é só uma população que tem vida saudável, mas que inova, que socializa, que pensa em novos formatos de moradia no futuro, que precisa pensar em trabalho. 

 

A parcela da população com mais de 65 anos no Brasil cresceu muito além da média das outras faixas etárias

 

CI: Ao longo desse período, houve maior aproximação da sociedade com a pauta da longevidade?

Michelle Queiroz: Quando começamos, eu contava nos dedos o número de iniciativas em prol da longevidade. Hoje, são mais de 200 em todo o país. A Rede fomenta ecossistemas da longevidade, conectando organizações, articulando influenciadores em torno da causa. Estamos em busca da construção de uma nova cultura, com um viés não tão centrado na juventude. Combatemos o etarismo que julga a velhice como sinônimo de fragilidade, de doença, de afastamento. A própria palavra aposentadoria remete ao recolhimento ao aposento, à reclusão. Nosso principal foco é nas pessoas idosas retiradas do mercado do trabalho muitas vezes por preconceito, porque se acredita que elas não têm mais como contribuir. Ainda que aposentadas, elas estão e querem ficar ativas. Mas são excluídas. O idoso saudável e que não é ouvido, inserido, é o foco principal de nossa Rede. Também nos preocupamos com os idosos em situação de cuidados ou institucionalizados. Aumentou muito o número de denúncias de violência contra idosos dentro de casa. Diante desse cenário de muita vulnerabilidade, às vezes se dá o abuso financeiro, a falta de cuidado adequado. Estamos atentos a isso. Uma parcela que cresce cada vez mais e não é considerada. 

 

CI: O aumento da longevidade corresponde a um maior poder de compra dessa faixa etária? 

Michelle Queiroz: Não se pode negar a importância da economia da longevidade. Se temos mais idosos, esse é um público consumidor que vai gerar bilhões para a economia. Aí vemos as principais oportunidades para as empresas começarem a perceber o perfil desse consumidor, descobrir o que ele quer, por meio de pesquisas, de entrevistas. Há uma grande queixa dos idosos de serem pouco representados nas pesquisas e estudos de marketing. Na publicidade, raras figuras mais velhas surgem representando produtos e serviços, em comparação ao volume de campanhas publicitárias com modelos jovens. Essa é uma visão míope da realidade do mercado 60+. Ou vão oferecer produtos não adequados a esse público ou vão infantilizar a linguagem ou criar imagem que não é característica do processo de envelhecimento. A indústria da estética faz propaganda de antienvelhecimento. A questão de não querer parecer mais velha usando modelos de 40 anos anunciando um produto para mulheres de 60 anos. Enquanto isso, uma empresária criou uma linha de lingerie para mulheres maduras que foi um sucesso. O mercado não sabe o que uma mulher de mais de 70 anos deseja como peça íntima. Não se olha o público-alvo. A chance de ser assertivo com o olhar do público-alvo para o produto ou serviço a ser lançado. Isso não é considerado. 

 

Michelle Queiroz: "A cada ano a Rede Longevidade tem maior procura de empresas interessadas em levar essa pauta para dentro das corporações"

 

CI: As empresas brasileiras têm apoiado a longevidade em seus quadros de pessoal?

Michelle Queiroz: Ainda é um número bem pequeno, porém a cada ano a Rede Longevidade tem maior procura de empresas interessadas em levar essa pauta para dentro das corporações, com laboratórios, painéis, discussões. Isso porque as empresas refletem as mudanças na sociedade, que hoje está mais aberta para a convivência com a diversidade das pessoas LGBTQIAPN+, PcDs, diferenças de gênero e etnias. No entanto, a diversidade etária custou a chegar à pauta. No ambiente corporativo, os processos seletivos dificilmente consideram pessoas acima de 50 anos. As empresas também vêm pedindo apoio para os que serão aposentados. 

 

CI: Que tipo de apoio é necessário?

Michelle Queiroz: O colaborador se dedicou a vida inteira a uma empresa e, de repente, é descartado bruscamente. As pessoas se veem abandonadas, em depressão crescente, há aumento do número de suicídios, problemas decorrentes dessa falta de cuidado com o processo de envelhecimento e com as transformações que ele gera. Por isso as empresas têm se mostrado mais conscientes dessa realidade. Afinal, quanto menor a escolaridade, maior é o impacto da dispensa no idoso. As pessoas que têm mais conhecimento conseguem se recolocar no mercado como autônomas, dando consultoria ou trabalhando por conta própria. A maioria de nossa população, entretanto, tem baixa escolaridade e o valor da aposentadoria pode ser inferior ao que recebia como assalariado. Durante a pandemia, quando muita gente perdeu emprego, foram os aposentados que passaram a sustentar as famílias. Finda a pandemia, os aposentados passaram a continuar trabalhando como autônomos para manter filhos e netos. 

 

O percentual de brasileiros com mais de 60 anos de idade passou de 6,1% para 15,6%, entre 1980 e 2022, sewgundos dados do IBGE

 

CI: Por que o etarismo ainda prevalece nas empresas?

Michelle Queiroz: Existe uma premissa de que a mão de obra jovem sempre será mais entusiasmada e barata do que a madura e experiente. A decisão é econômica, a dimensão é financeira. O preconceito etário é real. Acredita-se que o mais jovem trará melhores resultados, trabalhará até tarde, tem mais gás. Só não contabilizam o custo-benefício de manter alguém maduro. A experiência é um valor, e a fuga de cérebros pode prejudicar a equipe. Isso ainda não foi mensurado. A convivência entre gerações equilibra a maturidade dos experientes com os mais jovens, que chegam tanto para aprender como para ensinar. As trocas intergeracionais são um ativo de valor que vão gerar muitos benefícios para as empresas que souberem cultivá-las. Em vez de focar na diferença de uma geração para outra como algo negativo, devemos tornar a potência da troca entre gerações uma pauta estratégica. Não temos ainda estatística representativa para computar qual é o prejuízo da empresa ao perder um idoso, mas há observação empírica que tem mostrado isso.

 

CI: Qual a sua avaliação sobre uma perspectiva de mudança nessa realidade que exclui os mais velhos do mercado de trabalho? 

Michelle Queiroz: Se o número de pessoas acima de 60 anos vai ser cada vez maior no país, é paradoxal as empresas manterem políticas de recrutamento e seleção e não de preparo para aposentadoria. No auge do desenvolvimento intelectual, aquele colaborador é obrigado a sair. O fenômeno de envelhecimento mundial vai trazer a intergeracionalidade para dentro da nossa realidade. Isso vai ocorrer naturalmente dentro da família, da empresa. A questão é como as empresas estão lidando com isso? Poucas empresas entendem que lidar com a intergeracionalidade exige estratégia, pesquisa, construção de uma cultura. Esse ainda é o desafio que as empresas precisam olhar para que se transforme em oportunidade. A situação só vai realmente melhorar quando houver uma convergência cada vez maior de políticas públicas e corporativas com iniciativas da sociedade civil. Hoje, o investimento social das empresas em longevidade é pouquíssimo expressivo.