IMPORTÂNCIA DO SOFT
POWER PARA OS NEGÓCIOS


O conceito de Soft Power, cunhado nos anos 1980 pelo cientista político norte-americano Joseph Nye, define a habilidade de um Estado, seja cidade ou país, para definir o uso de sua imagem a fim de atrair negócios e progresso através da difusão de suas ideias, cultura e valores. Embora tenha entrado para o vocabulário político e financeiro no século XX, a prática do soft power é bem anterior, remontando à Renascença. Quem conta é Alessandra Baiocchi, coordenadora adjunta do MBA de Gestão de Marketing do IAG PUC-Rio, especializada nos segmentos de Arte, Entretenimento e Economia Criativa, em entrevista exclusiva à Carta da Indústria. Sua tese de doutorado investigou o impacto da música ao vivo nas cidades de Montreal e do Rio de Janeiro, o que lhe rendeu os prêmios Rio de Economia Criativa e Emerging Leaders in the Americas Program, do Global Affairs Canadá. Alessandra tem participado de eventos que discutem a força da economia criativa, entre eles o “Pensa Rio – O que o Rio precisa para se tornar uma Soft Power house”, em 2021, na Casa Firjan, e a análise especial sobre esse conceito na 7ª edição do Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, publicada em 2022 pela Firjan. Nesta entrevista, ela esclarece como identidade cultural, reputação e familiaridade podem ser aproveitadas estrategicamente para o desenvolvimento do Rio.

 

CI: Como o Soft Power pode contribuir positivamente para a economia? 

Alessandra Baiocchi: Existem duas perspectivas, basicamente. A primeira está na venda de produtos locais. Artigos “Feitos em ...” podem projetar a imagem da cidade e gerar ganhos econômicos para os produtores locais, como queijo da Canastra, café do Cerrado, cachaça de Paraty, renda do Ceará, capim dourado do Jalapão. Também há a exploração da propriedade intelectual relacionada às vendas de produtos oriundos da indústria criativa. Diversas cidades têm lançado polos de inovação e tecnologia, que atraem profissionais e indústrias que geram receita a partir da exploração de propriedade intelectual. A segunda perspectiva tem um aspecto mais intangível, expresso na vontade despertada no público de conhecer mais sobre aquele local, o que vai estimular um maior consumo de itens do lugar, além de despertar o desejo de uma visita turística no futuro. Uma aluna minha, nascida na Guatemala, contou que há muitos anos assistiu a um filme brasileiro e teve o desejo de vir morar no Brasil despertado pelo que soube do país através do cinema, encantada pelas paisagens e pela música. 

 

CI: Como o Soft Power pode trazer retorno financeiro, investimentos e reconhecimento para suas cidades ou países? 

Alessandra Baiocchi: Joseph Nye define o Soft Power como a habilidade de se conseguir o que quer pela atração e não pela coerção ou pagamentos. É um contraponto ao uso da força (hard power) e ao uso do poder econômico. As indústrias criativas, que possibilitam o ganho de recursos pela exploração da propriedade intelectual, são especialmente estratégicas para o desenvolvimento através do Soft Power no mundo digitalizado. Um exemplo disso é a produção audiovisual de Hollywood, que, além de levar o american way of life para o mundo, gera bilhões de dólares em turismo e comercialização de produtos e serviços para os EUA. E o Hallyu, conhecido como "onda coreana", é um fenômeno que ilustra o crescimento da popularidade das produções originárias do Leste Asiático. O governo da Coreia do Sul investe e apoia suas indústrias criativas, principalmente a música, o audiovisual e, mais recentemente, os jogos digitais, projetando a imagem do país para o mundo. Não é por acaso que o estilo K-pop leva no nome o “K” de Korea. Era preciso colocar na marca o país de origem desse estilo musical. 

 

CI: O Soft Power surgiu bem antes de sua conceituação por Nye e foi incorporado por alguns governos?

Alessandra Baiocchi: Sim, o Soft Power já acontece na sociedade europeia há séculos. Na Itália Renascentista, a Igreja contratava grandes artistas para decorar seus monumentos e encantar os fiéis com a beleza da arte, levando até hoje milhares de turistas ao país para conhecer sua arquitetura, sua arte, gastronomia, entre outras manifestações de sua cultura e valores. Da mesma forma, a França atrai visitantes e gera recursos a partir da sua moda, gastronomia, arte, arquitetura. 

 

CI: O Rio já tem uma imagem conhecida mundo afora, mas ainda existem aspectos da cidade a serem explorados estrategicamente em Soft Power?

Alessandra Baiocchi: O Rio de Janeiro é a cidade brasileira de maior projeção no exterior em termos de imagem. Poucos lugares no mundo conseguem mesclar a natureza abundante com uma agitada vida urbana. Em 2012, o Rio foi a primeira cidade do mundo a receber o título de Patrimônio Mundial como Paisagem Cultural concedido pela Unesco. A cidade tem uma rica história como anfitriã de grandes eventos. Desde 1908, com a Exposição Nacional, passando pelas Copas do Mundo de 1950 e 2014, a Eco-92, os Jogos Pan-Americanos de 2007, a Jornada Mundial da Juventude em 2013 e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos em 2016. Além disso, o Rio de Janeiro sediou oito edições do Rock in Rio, a partir de 1985. Todos os anos têm dois eventos icônicos: o Réveillon em Copacabana e o Carnaval. Isso sem falar da sua conexão com estilos musicais nascidos na cidade. Berço do samba, bossa nova, choro e funk carioca, o “jeito carioca” é copiado e comentado no Brasil e no mundo. Isso é Soft Power.

 

CI: Quais são os pontos fortes da indústria criativa brasileira que podem trazer dividendos para o país? 

Alessandra Baiocchi: Talvez ainda falte nos posicionarmos como o país do desenvolvimento sustentável, o país da economia verde. O Brasil projeta uma imagem de país festeiro, alegre, rico em diversidade cultural, muito conectada ao nosso Carnaval. O Brasil é o país da América Latina com a mais alta posição no ranking do Global Soft Power Index 2022, destacando-se no pilar “Cultura e Patrimônio”, sendo percebido como “líder nos esportes” e “influente na arte e entretenimento”, além de ter a “comida apreciada no mundo todo”. No relatório Soft Power 30, de 2019, o Brasil é percebido como o país mais influente da América Latina, com o subíndice de “Cultura” em alta por causa do Carnaval. Nossa música e nossas telenovelas são consumidas e admiradas no mundo. 

 

CI: Quais são os prognósticos para o soft power fluminense a partir do fim da pandemia e quais áreas devem ter crescimento? 

Alessandra Baiocchi: As áreas para ficar atento são produção audiovisual, turismo e tecnologia/mundo digital. No audiovisual há muitas oportunidades com a liberação de financiamentos para a área e com o aquecido mercado global de streaming ávido por conteúdos. A segmentação do turismo em temas também pode gerar oportunidades, como turismo esportivo, cultural, o turismo de experiências de bem-estar e o agroturismo, que estimula visitas a fazendas, colher frutas e adquirir produtos da indústria local. Já o desenvolvimento tecnológico perpassa diversos mercados e projetos para receber os chamados nômades digitais, o que pode levar as cidades a atraírem talentos. Além disso, o setor de games continua com tendência de crescimento, principalmente pela expansão dos jogos mobile.

 

CI: Polos culturais têm surgido em pequenas cidades fluminenses, alguns por iniciativas particulares, entre eles a Flip, em Paraty, e pequenas feiras literárias que se espalharam por diversas localidades do estado. Há outros municípios do Rio que podem ser polos de Soft Power? 

Alessandra Baiocchi: Cada município deve mapear e conhecer seu patrimônio histórico e cultural e, a partir daí, criar em parceria com a iniciativa privada local a infraestrutura necessária para atrair pessoas e negócios. Há diversos municípios com potencial de Soft Power, como Petrópolis, com sua rica história; e Friburgo, com diversas iniciativas ligadas à herança cultural das comunidades imigrantes. Vassouras tem um projeto incrível de musicalização nas escolas que tende a enriquecer a cena musical local, entre tantos outros exemplos.

 

CI: Como os municípios devem mapear seus diferenciais a serem trabalhados? 

Alessandra Baiocchi: Esse é um mapeamento que precisa ficar a cargo do setor público. Quem trabalha na indústria criativa não terá o distanciamento necessário para apresentar um diagnóstico da situação. Por isso, o estudo deve ser feito pelo poder público em parceria com instituições de pesquisa ou universidades que tenham essa expertise. Para identificar tais diferenciais, cada município precisa responder a algumas perguntas, a fim de projetar uma imagem que atraia visitantes, moradores e investimentos, tais como: qual é o patrimônio histórico e cultural do local? Ali nasceu um artista, um escritor, pintor, poeta famoso? O município recebeu imigrantes? A cultura afro-brasileira e a dos povos originários indígenas estão presentes? E como se manifestam na culinária, artesanato, música e nos produtos com apelo de resgate da memória do local? As respostas sobre tais questões traçarão todo o panorama de Soft Power que norteará diversas estratégias locais.