foto de Guilherme Bastos

O AGRO E O CONFLITO
RÚSSIA-UCRÂNIA


Especialista da FGV Agro, Guilherme Bastos diz que os mercados mundiais agora encontram-se em momento diferente em relação à deflagração da guerra, em 2022 

 

Coordenador da Fundação Getúlio Vargas Agro (FGV Agro), Guilherme Bastos considera uma incógnita a movimentação da Rússia em relação à suspensão unilateral, na semana passada, do Acordo de Grãos, que permitia a exportação das commodities ucranianas pelo Mar Negro, com o objetivo de abastecer os mercados internacionais. Segundo ele, é difícil qualquer prognóstico de prazo para o fim do conflito. Porém, Bastos acredita que os países se encontram num momento melhor em relação ao abastecimento global de grãos do que no início da guerra, em fevereiro de 2022. Bastos concedeu, com exclusividade, entrevista à Carta da Indústria sobre o atual momento do conflito e os possíveis impactos para o Brasil. 

  

CI: Com a suspensão do Acordo de Grãos entre Rússia e Ucrânia, é possível que haja um incremento no risco à segurança de rotas marítimas próximas ao Mar Negro? Na sua avaliação, haverá renovação do acordo?  

  

Guilherme Bastos: É tudo muito recente e uma incógnita a movimentação russa, pois não é apenas um conflito entre dois países. É uma questão geopolítica, com muitos interesses envolvidos e questões comerciais não só da Rússia. Um dos pontos que o governo russo alega é que as commodities ucranianas - que passam pelo corredor humanitário no Mar Negro - não estão indo para os países mais necessitados, em especial a África. Porém, são mercados globais de commodities, que estão importando produtos mais caros. Então, é uma discussão longa, onde ninguém arrisca uma solução rápida. 

  

CI: Com a tendência de crescimento dos preços internacionais de alimentos, quais efeitos podem ser esperados para economia brasileira e para o agronegócio nacional? Já se sentem os efeitos? São todos eles negativos? 

  

Guilherme Bastos: Após o início do conflito no ano passado e a frustração de safras, o valor das commodities e insumos subiu muito em todo o mundo. Mas, esse aumento do preço fez crescer as áreas de produção em várias partes do planeta, como nos Estados Unidos, atenuando o estresse da safra americana em produtos como soja, trigo e milho. Assim, a balança de oferta e demanda passou por uma readequação em relação ao que se perdeu da produção ucraniana, a partir de outros centros de produção, inclusive o Brasil. A expectativa é que o impacto nos preços no país seja atenuado. 

  

CI: Na sua avaliação, esse cenário impactará o resultado da inflação brasileira? 

  

Guilherme Bastos: O Brasil teve uma safra recorde de commodities de 318 milhões de toneladas de grãos este ano. Para o ano que vem, é esperado novo recorde de 330 milhões de toneladas. Todos esses fatores podem dar uma expectativa de amortecimento na queda dos preços internos. Por exemplo, os preços do milho, que chegaram a passar de R$ 100/saca de 60kg no porto, hoje chegam a um terço do valor no estado do Mato Grosso. 

  

CI: Qual o risco de desabastecimento global e no Brasil caso o acordo não seja retomado? 

  

Guilherme Bastos: Ainda não é possível fazer um prognóstico do que vai acontecer. Mas a conjuntura atual, como já disse, é diferente e melhor do que no passado.  Por exemplo, o excedente exportável de milho na Argentina, Brasil e Estados Unidos para 2023/2024 supera em muito a redução esperada nas exportações ucranianas de 10 milhões de toneladas. Após a forte frustração da safra argentina, a expectativa é que aumentem em 18 milhões de toneladas as exportações para 2023/2024. O Brasil também teve uma boa safra e poderá exportar para o mercado internacional mais de 50 milhões de toneladas, inclusive para a China, cujo mercado foi aberto no final do ano passado. 

  

CI: E a questão dos insumos para fertilizantes para a produção agrícola brasileira, há uma perspectiva de melhora? 

  

Guilherme Bastos: O Brasil fica exposto ao comércio internacional de fertilizantes, já que há uma dependência de 85% de importação. É um problema preocupante, não muito de preço, mas de disponibilidade física dos produtos. Porém, o conflito também criou novas rotas internacionais e expansão de novas plantas mundiais. No momento, os preços estão confortáveis e, além disso, o Brasil passou a usar também bioinsumos e biofertilizantes, reduzindo um pouco a exposição aos mercados internacionais.