João Paulo Ferreira Machado, sentado numa sala com quadro à esqueda

ESOCIAL: SISTEMA VIVO
QUE SIMPLIFICA REGISTROS TRABALHISTAS


Criado oficialmente há nove anos, o eSocial deverá ter sua última etapa – a que inclui o FGTS no Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) — implantada em março de 2024. O longo processo, no entanto, não pode ser considerado encerrado, adverte João Paulo Ferreira Machado, diretor de Políticas de Trabalho, Emprego e Renda do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que coordenou a implementação do eSocial entre 2019 e 2022: “O eSocial é um sistema vivo e em constante mutação. Qualquer mudança na legislação trabalhista que traga novos tipos de atividade exigirá alterações para inclusão no sistema”, explica Machado, auditor fiscal do MTE, que, em entrevista exclusiva à Carta da Indústria, esclarece que o novo sistema simplifica os registros anteriormente enviados a diferentes plataformas, algumas com bases de sistemas incompatíveis com os dados de outras e que o eSocial jamais pretendeu servir para fiscalizar registros trabalhistas. 

 

CI: O que determinou a criação do eSocial, cujo cronograma de implantação sofreu diversos adiamentos? Ele é um instrumento para controle e fiscalização trabalhista? 

João Paulo Ferreira Machado: Criaram-se muitos mitos sobre o eSocial por desconhecimento. Desde os primeiros estudos, há treze anos, passando pela legislação que o regulamentou, em 2014, e pelas diversas etapas de implantação, a partir de 2018, nas empresas. É preciso entender que o eSocial nunca foi a ideia de um governo, mas da administração. Ele começou quando Dilma Roussef estava na Presidência da República, e continuou com Michel Temer, Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, foi montado pela Receita Federal, Caixa Econômica, INSS e Ministério do Trabalho. Jamais houve o propósito de fiscalização, mas sim de simplificar o envio de informações fiscais, previdenciárias e trabalhistas, não apenas do empresariado, mas também dos governos municipais, estaduais e federal. 

 

CI: Houve algum estudo sobre registros de trabalhadores em outros países que norteou o modelo brasileiro do eSocial? 

João Paulo Ferreira Machado: O eSocial é uma evolução sistêmica natural, como aconteceu com a carteira de trabalho digital para a população e como nos serviços internos dos ministérios.  Existe uma prestação de informações semelhantes a esse modelo em países de níveis similares ou superiores ao Brasil. Não é um controle, é um sistema de escrituração. Essa percepção de controle governamental, é porque se torna mais perceptível o risco de erro, que também podia ser constatado em papel. O eSocial não impede que se cometam irregularidades. Se for parametrizado que o salário de João não tem incidência de FGTS, a malha da administração pode vir a verificar isso mais tarde, não há um mecanismo que alerte para falhas.  

   

CI: Qual a razão da demora para essa implantação? 

João Paulo Ferreira Machado: O projeto é muito grande, com a base de dados de todos os trabalhadores brasileiros. Na iniciativa privada são 43 milhões de empregados, há mais 12,3 milhões de funcionários públicos em todas as esferas e ainda os trabalhadores autônomos, com contribuições individuais, que somam 100 milhões de pessoas gerando algum tipo de informação de trabalho e previdência. Há ainda um grande número de órgãos envolvidos, Receita Federal, INSS, Ministério do Trabalho. Envolve várias entidades. O governo que entrou em 2019 não tinha qualquer conhecimento sobre o processo, falava-se até que não haveria mais o eSocial. Acabaram decidindo continuar. Em 2020, a pandemia atrasou o andamento.  

 

Imagem de João Paulo Ferreira Machado, diretor de Políticas de Trabalho, Emprego e Renda do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)

 

CI:  Se não houvesse a pandemia, todas as etapas já estariam cumpridas? 

João Paulo Ferreira Machado: É difícil dizer, pois o universo de informações é imenso, como vimos. A pandemia ajudou a atrasar uns três anos de implantação. Antes do eSocial, os dados eram enviados a diferentes setores, usando navegadores diferentes, alguns necessitando baixar um programa específico, enquanto algumas obrigações eram mantidas em papel. E sempre havia a repetição desses dados. Por exemplo, a admissão do trabalhador tinha que ser anotada no livro de registros de empregados da empresa e na carteira de trabalho. No início do mês seguinte à admissão, a informação era enviada ao Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Aí, a admissão era incluída na folha de pagamento. No ano seguinte, tinha que mandar a mesma informação para a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e fazer a Declaração de Imposto de Renda Retido na Fonte (Dirf).  A informação era exatamente a mesma, e precisava ser repetida em seis locais diferentes. Hoje, uma vez informada, vai para todos esses locais.  Agora temos um único sistema, uma linguagem única. No entanto, essa mudança, que visa à simplificação de registros, é custosa, já que agrega livro de registro, carteira de trabalho, Rais, Dirf, informações de saúde, previdenciárias, entre tantas outras. Demora também porque a complexidade da legislação trabalhista brasileira exige cuidado no registro de informações. No Brasil a hora de trabalho noturna não é computada com 60 minutos, mas com 52,5 minutos, sobre os quais incidem 50% de pagamento, caso seja hora extra, e mais 20% se noturna. O sistema precisa contemplar essas complexidades da nossa legislação, enquanto o sistema tenta simplificar o registro, que por si só é bastante complexo.   

 

CI: O eSocial eliminará o registro dos trabalhadores em papel e ficará todo em meio digital. Já houve diversas invasões a sistemas administrativos e judiciários. Como o senhor vê a segurança do sistema? 

João Paulo Ferreira Machado: É fato comprovado por estudos em vários locais do mundo que 80% da dificuldade de migração de um sistema analógico para um digital está na resistência das pessoas e não nos processos. O problema surge quando as pessoas não compreendem o novo desenho e as gerações mais velhas tendem a se retrair, não querem entender tais mudanças. Também é verdade que o risco de fraude no mundo digital é grande, porém ele existe da mesma forma no registro analógico. Quantos arquivos não se perderam em incêndios? 

 

CI: Em qual setor foi mais difícil a implantação, no público ou no privado? 

João Paulo Ferreira Machado: Sou servidor público, trabalho com administração pública, mas diria que há mais dificuldade em levar esses processos para a esfera pública. E a burocracia brasileira é, de certa forma, necessária, pois adequa as situações, exigindo licitações para uso do dinheiro público. No campo privado, uma empresa contrata um especialista para solucionar um problema. Na administração pública, tudo é mais lento.  

 

CI: Há previsão de outras alterações no eSocial depois de março de 2024?  

João Paulo Ferreira Machado: Vai acontecer sempre. O eSocial é um sistema vivo e está em constante mutação. Qualquer mudança na legislação trabalhista que exija uma escrituração diferente terá que entrar no sistema. No fim de 2019, foi criado, por medida provisória, o Contrato Verde Amarelo. Era um contrato temporário de quatro meses, recolhia menos FGTS. Imediatamente teve que ser criado no sistema uma nova categoria com novos campos para registro dessa informação. A depender do que surgir na legislação, o eSocial terá que contemplar aquele tipo de contratação.