Lumbreras fala sobre riscos psicossociais no trabalho

COMO EVITAR
RISCOS PSICOSSOCIAIS


Um alerta para os empregadores: os riscos psicossociais passam a fazer parte da Norma Regulamentadora NR-1 a partir de maio deste ano. Para esclarecer o tema, a Carta da Indústria entrevistou com exclusividade Luiz Carlos Lumbreras Rocha, especialista em Segurança e Saúde no Trabalho e Inspeção do Trabalho, atualmente baseado no Escritório Regional da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para a Europa Central e Leste Europeu, em Budapeste, na capital da Hungria. Ele participou, em fevereiro, do evento "Riscos psicossociais: o que as empresas devem fazer" , promovido pela Firjan, com apoio da Firjan SESI. A nova redação da NR-1 integra aos riscos ocupacionais os riscos psicossociais, como estresse, carga emocional e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. 

 

No evento, foi destacado que as questões sociais, familiares, violência (segurança pública), entre outros, podem contribuir neste quadro e são questões externas às empresas. No Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), cada instituição pode monitorar para garantir que não haja problemas de comunicação e condições ambientais que contribuam com o estresse, tais como: local barulhento, quente, muito frio, ritmo de trabalho adequado, por exemplo. Isso sem esquecermos do assédio e de outras formas de violência.

 

Carta da Indústria: Poderia contextualizar a temática dos riscos psicossociais relacionados ao mundo do trabalho?

Luiz Carlos Lumbreras Rocha: Vou contextualizar um pouco a minha experiência como auditor fiscal no Brasil e depois aqui na OIT. A questão dos riscos psicossociais já é um tema de grande importância, principalmente aqui na Europa, onde existe uma instituição que é chamada EU-OSHA – Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho. Ela organiza campanhas em todos os países que fazem parte da União Europeia e, dez anos atrás, um dos temas foi o estresse no trabalho. O estresse, na verdade, é o principal efeito da questão dos riscos psicossociais. De lá para cá, isso tem evoluído. Várias ferramentas têm sido desenvolvidas nesse sentido, de fazer a avaliação dos riscos psicossociais. E isso tem sido incluído nos programas das empresas e na fiscalização também. Particularmente, a OIT tem se preocupado com esse tema.  

 

CI: E no Brasil?

Luiz Carlos Lumbreras Rocha: Nós também, no Brasil, já estávamos preocupados com esse tema dentro da inspeção do trabalho. Coordenei, na época, a comissão que elaborou o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e foi, inclusive, criado um GET, Grupo de Estudo Tripartite, e eu coordenei esse grupo também, para discutir os riscos psicossociais, com empregador, trabalhador e governo, visando tentar, no primeiro momento, chamar a atenção para a temática, porque, na verdade, nem todos estão bem-antenados em relação aos riscos psicossociais. Esse GET foi depois da pandemia, em 2022.  

 

CI: O que leva ao crescimento dos riscos psicossociais na atualidade?  

Luiz Carlos Lumbreras Rocha: Das diversas transformações que o mundo do trabalho tem experimentado, você pode ver, por exemplo, que tivemos o momento das questões ergonômicas, dos movimentos repetitivos. Eu diria que agora estamos passando por esse momento dos riscos psicossociais. As novas transformações estão mostrando a importância dos riscos psicossociais. Por exemplo, hoje a questão da cognição é muito mais importante, temos informações mudando a toda hora. As relações de trabalho mudam a todo momento. A estabilidade dessas relações não é como outrora. O ambiente mais competitivo, a internacionalização da economia, todo esse caldeirão tem levado a amplificar a importância dos riscos psicossociais.  

 

Há diversos estudos indicando que hoje em dia esses riscos representam vários bilhões de dólares, porque se refletem, por exemplo, no absenteísmo. O problema começa a ser notado com a ausência do trabalho ou com o presenteísmo. Eu posso afirmar que tem representado, cada vez mais, uma proporção muito grande dos riscos que temos identificado no trabalho.  

 

CI: Qual é o papel dos empregadores na prevenção desses riscos?  

Luiz Carlos Lumbreras Rocha: Eles têm um papel muito importante. A própria definição da CLT cita que o empregador é aquele que assume o risco da atividade econômica. Quer dizer, a assunção do risco é intrínseca à figura do empregador, que, em razão da atividade econômica, tem o bônus e o malus. O bônus, logicamente, é a atividade econômica pressupondo o lucro; mas ele tem o malus, que é a assunção do risco, como uma consequência da atividade econômica.  

 

Esse risco, às vezes, transcende o ambiente de trabalho, porque entra em certas relações sociais que, às vezes, estão fora do controle do empregador. Então, é um grande desafio, porque, ao mesmo tempo em que existe a assunção dos riscos e a responsabilidade do gerenciamento, existe a dificuldade que é fazer o controle de situações que estão, entre aspas, fora do seu controle.  

 

Quero citar a Convenção 190 da OIT, que fala da violência e do assédio no mundo do trabalho. Não é só a violência e o assédio no local do trabalho. Repare, o mundo do trabalho envolve uma série de relações que, às vezes, transcendem o local do trabalho.  

 

CI: Como efetuar a gestão desses riscos? A OIT tem recomendações?  

Luiz Carlos Lumbreras Rocha: Desde antes da campanha que citei da EU-OSHA, de 2014, a OIT tem se debruçado nesse tema ligado ao controle do estresse do trabalho. Inclusive OIT tem até aplicativo. Na Convenção 190 (de 2019), há uma menção explícita sobre risco psicossocial. Então, quer dizer, essa questão está bem clara. A OIT tem se debruçado mais sobre o tema; inclusive em diversos países nós temos feito alguns trabalhos no sentido de desenvolver ferramentas para avaliação das questões psicossociais e fazer eventos, para trazer atenção ao tema.  

 

E agora as próprias inspeções aqui na União Europeia também têm se preocupado com uma abordagem diferente dos outros riscos, porque, pela natureza dos riscos psicossociais, é preciso uma abordagem diferenciada.  

 

CI: Como se diferencia? Pode falar sobre essa abordagem que tem sido adotada pelas inspeções do trabalho?

Luiz Carlos Lumbreras Rocha: Quando falamos da abordagem de riscos químicos, físicos ou de acidentes, a inspeção é mais direta: visitamos o local, avaliamos a situação e utilizamos ferramentas apropriadas para identificar os riscos e adotar medidas. Já nas questões psicossociais, a abordagem precisa ser tanto individual quanto coletiva, geralmente em etapas. Primeiro, realizamos uma avaliação preliminar para identificar a existência de possíveis problemas. Caso sejam detectados indícios, avançamos para fases mais detalhadas da análise.

 

Na União Europeia, as inspeções do trabalho seguem um processo semelhante. Inicialmente, é feito um levantamento preliminar para triagem. Se a questão for considerada relevante, a empresa é notificada e orientada a adotar medidas. Depois, uma análise mais aprofundada é conduzida. Exceto situações como violência e assédio, que são questões críticas e necessitam de uma intervenção imediata, as demais questões têm que ser avaliadas com muito cuidado e em etapas.

 

CI: Pequenas empresas têm mais dificuldade para lidar com esse tema?

Luiz Carlos Lumbreras Rocha: Principalmente para o pequeno e o médio empresário, essa questão não me parece muito clara. Acho fundamental a conscientização sobre essas questões para toda a sociedade. Nem todos os trabalhadores também estão cientes dessa questão. Qualquer ação deve ser seguida de uma campanha forte nesse sentido. Os empregadores têm tomado essa consciência. As empresas menores também precisam ser orientadas.  

 

Como seria? Dando um exemplo da Espanha, que participou dessa campanha em 2020, no período da pandemia. A Espanha desenvolveu e colocou disponíveis ferramentas na inspeção do trabalho para os pequenos empregadores fazerem esse tipo de avaliação. Primeiro conscientizou, depois ofereceu essas ferramentas. É um trabalho que às vezes necessita de uma abordagem também multidisciplinar. Têm questões que um psicólogo vai ter um olhar diferenciado em relação à minha percepção, que eu não estaria detectando. Às vezes para o pequeno empresário é difícil, nem sempre ele tem os recursos. Aí é importante o papel das organizações empresariais para apoiar o pequeno empresário. Esse tema repercute na produtividade também.

 

CI: Qual seria o mundo ideal nessa área? Temos grandes empresas que usam cartilhas, cursos, vídeos, disponibilizam psicólogos.  

Luiz Carlos Lumbreras Rocha: Eu diria que o mundo ideal é tudo isso com a participação dos trabalhadores. Às vezes o empresário pode fazer tudo com boas intenções, mas é interessante contemplar o olhar do agente, do ator que está ali, que é o próprio trabalhador, porque muitas vezes a visão técnica, sem contemplar a visão do trabalhador, pode ser uma visão míope. O ideal é esse tema fazer parte da própria organização, do negócio, e com o envolvimento da parte trabalhadora.

 

CI: Você poderia citar exemplos voltados para a realidade das pequenas empresas?  

Luiz Carlos Lumbreras Rocha: Existem bons exemplos de inspeções na Europa. O Reino Unido tem uma inspeção muito boa na área de segurança e saúde, mas o foco não são as pequenas empresas, e sim as grandes. Nas pequenas empresas só há inspeção em situações muito graves. No mundo inteiro, a inspeção do trabalho também tem recursos escassos. Então tem que focar onde pode amplificar os resultados. Agora, quanto às ferramentas disponíveis, a União Europeia tem a  ferramenta OIRA , que é para avaliação de riscos, disponível pela EU-OSHA. Essas são as melhores experiências, as melhores práticas que têm acontecido.  

 

CI: E o Brasil? Como está nessa questão psicossocial nas empresas?

Luiz Carlos Lumbreras Rocha: No Brasil, estamos caminhando. Hoje sou inspetor do trabalho licenciado, não posso falar em detalhes. Mas, por exemplo, apesar da criação do grupo tripartite, não percebi uma campanha específica a esse respeito. A Europa fez a campanha, a discussão, conscientizando, debatendo o tema. Os normativos da Europa e da Austrália incluíram os riscos psicossociais. Em geral, há a necessidade do empregador de controlar os riscos, a necessidade de avaliá-los e fazer o risk assessment, quer dizer, fazer a avaliação dessas questões. E todos os riscos, inclusive os psicossociais.  

 

CI: Você poderia falar sobre o papel de instituições como a Firjan nesse processo?

Luiz Carlos Lumbreras Rocha: Acho que a Firjan e todas as associações, todas as confederações e as federações de empregadores têm um papel muito importante nesse sentido. Não é só a gente falar: “o governo tem que fazer uma ferramenta”. Existe também o papel das associações no sentido de dar suporte a seus associados. A segurança e a saúde do trabalhador têm um retorno econômico, por reduzir o absenteísmo e aumentar a produtividade. Isso gera também trabalhadores estimulados. As associações e federações podem desenvolver ferramentas nesse sentido, ajudar em protocolos, instruções, fazer campanhas. A informação é essencial e básica nessa questão dos riscos psicossociais.