Presidente da Cbic

CONSTRUÇÃO DOBRA
INVESTIMENTOS EM 10 ANOS


A indústria da construção move 97 outros setores, gera mais de 3 milhões de empregos e tem um dos maiores salários de entrada do mercado de trabalho

 

Para alcançar o patamar de infraestrutura dos países emergentes, o Brasil vai precisar investir R$ 500 bilhões por ano, nos próximos dez anos, valor superior aos R$ 280 bilhões previstos para este ano. Instrumentos financeiros existem, mas a alta taxa de juros é um obstáculo para esse avanço. O cenário traçado por Renato Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e diretor da Vega Incorporações, à Carta da Indústria, inclui soluções para o enfrentamento do déficit habitacional do país.

 

O Rio Construção Summit 2025 é realizado pelo Sinduscon-Rio, com apresentação da Firjan e parceria da CBIC, do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada-Infraestrutura (Sinicon), da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Federação Interamericana da Indústria da Construção (FIIC), além de Governo do Estado do Rio de Janeiro, Prefeitura do Rio, Caixa e Governo Federal, CREA-RJ e CAU-RJ como patrocinadores. O evento, que será entre os dias 24 e 26 de setembro, no Píer Mauá, no Rio de Janeiro, vai trazer perspectivas promissoras para o avanço da industrialização no país, na previsão do engenheiro.

 

Renato Correia vai participar do RCS como mediador em três momentos no primeiro dia do evento. Na Arena Firjan, às 11h30, a mesa redonda discute a Nova Indústria Brasil e, às 14h30, o tema é habitação como política pública. Às 17h, na Arena Lapa, o presidente da CBIC modera o debate sobre “Federações das Indústrias em Diálogo: A Construção como Estratégia de Desenvolvimento do Brasil”.

 

Leia a entrevista exclusiva de Renato Correia à Carta da Indústria.

 

Carta da Indústria: O Brasil enfrenta gargalos históricos em infraestrutura e habitação. Poderia comentar?Renato Correia: A infraestrutura determina a competitividade do país, seja na indústria, no agronegócio, no serviço. O bem produzido tem que ser transportado, tem que ter saneamento, tem que ter energia, tem que ter internet. Então, a infra de um país é algo muito relevante para o bem-estar das pessoas.  

 

O Brasil, nos últimos 10 anos, tem atravessado uma mudança muito importante na regulação. Nós tivemos o Marco do Saneamento, o Marco das Garantias de Crédito, as debêntures de infraestrutura, as debêntures incentivadas. E esse fenômeno permitiu que o Brasil pudesse investir R$ 280 bilhões por ano em infraestrutura.  

 

Não é pouco relevante, em especial, levando-se em conta que R$ 210 bilhões são da iniciativa privada e R$ 70 bilhões de governos das três esferas. Há dez anos, investíamos R$ 150 bilhões. Praticamente dobramos. Mas o Brasil precisa de R$ 500 bilhões por ano, durante dez anos, para conseguir colocar a infraestrutura no patamar dos países emergentes, pares dele.  

 

presidente da CBIC
Renato Correia acredita que o país precisa investir R$ 500 bi por ano em infraestrutura (Foto: Diego Bresani/Divulgação CBIC)

 

CI: Quais são os principais obstáculos?

Renato Correia: O gargalo das taxas de juros muito altas é um deles. Nós precisamos desenvolver o nosso país para melhorar a eficiência do Estado, o gasto público e trazer essas taxas mais para baixo, para termos o estímulo de investir. Mas as ferramentas existem, estão funcionando e esperamos que a infraestrutura do país aumente, atinja os patamares necessários.  

 

C.I.: Como a construção civil pode atuar sendo um pilar central para a redução das desigualdades sociais?Renato Correia: Nós estamos vivendo na habitação um fenômeno muito importante. Talvez 2024 e 2025 tenham sido os melhores anos dos investimentos em habitação do país. O FGTS, por exemplo, saiu de R$ 68 bilhões para R$ 127 bilhões de investimento. Foi criada a Faixa 4 do “Minha Casa, Minha Vida” (renda familiar de R$ 8,6 mil a R$ 12 mil e juros de 10,5% ao ano), com recursos do Fundo Social do Pré-Sal e aporte adicional de R$15 bilhões da Caixa, fazendo frente à falta de dinheiro da poupança.  

 

Temos ainda a Faixa 1 (destinada a famílias com renda mensal de até R$ 2.850), onde o governo tem aplicado R$ 10 bilhões, R$ 12 bilhões na construção subsidiada. Tem o “Minha Casa Minha Vida Cidades”, que permite subsídios complementares de estados e municípios.  

 

O mercado imobiliário tem conseguido bater recordes de lançamento, venda e produção de imóveis. Agora é estimular, para que mais governos municipais e estaduais complementem o programa de habitação com subsídios, e que os juros possam baixar.

 

CI: O Rio Construção Summit 2025 tem como foco o futuro e a conjuntura atual da construção, além dos aspectos relacionados ao capital humano para o setor. Para você, qual a principal mensagem que o evento deve transmitir ao mercado e à sociedade sobre a importância da indústria da construção para o crescimento e o desenvolvimento do Brasil?  
Renato Correia: O setor de construção move 97 outros setores, alavanca o emprego, a renda. Dá condição de infraestrutura, habitação e bens públicos para o país. Hoje emprega mais de três milhões de pessoas e tem um dos maiores salários de entrada entre todos os setores que geram emprego.


Remunera bem, tem longevidade na carreira e oferece bem-estar para a sociedade. Mas olhando para o futuro, deve ser ainda mais promissor no aspecto do desenvolvimento da industrialização, do aumento da produtividade, da melhoria das condições de trabalho, da sustentabilidade.


Então, em função da Reforma Tributária, do desenvolvimento das técnicas de construção, certamente o país vai entrar em outro patamar. E teremos empregos e construções melhores, além da dignidade na habitação e na infraestrutura do nosso país.

 

CI: Ainda que a agenda de investimentos públicos seja crucial, qual é o papel do setor privado para destravar e acelerar grandes projetos de mobilidade urbana, saneamento e habitação no país?  

Renato Correia: Hoje o setor privado já faz uso massivamente de capital próprio, investindo tanto em saneamento quanto em rodovia, ferrovia e telecomunicações. E esse papel tende a aumentar, na medida em que se consiga equilibrar as contas do país, trazer as taxas de juros reais para um patamar da ordem de 5% ao ano, hoje fica próximo de 10%.  

 

O papel da iniciativa privada é fundamental porque o orçamento 
da União não permite grandes investimentos. Mas é importante que o poder público invista, porque ele complementa e sinaliza a prioridade para a infraestrutura.

 

CI: No contexto da "economia verde" e de baixo carbono, o setor de construção tem um potencial enorme de contribuição e de desafios. De que forma a indústria vem atuando institucionalmente?

Renato Correia: Nós, através da CBIC e suas associadas, estamos trabalhando tanto junto ao Ministério da Fazenda, na taxonomia verde, quanto ao das Minas e Energia sobre eficiência energética e sobre o plano clima junto ao do Meio Ambiente. Trabalhamos em relação à COP30 em parceria com a CNI, desenvolvendo as melhores referências do que já é praticado no mundo em termos de construção sustentável. Temos um estudo sobre centros urbanos, retrofit, apontando quais os principais gargalos.  

 

Observamos também a questão da drenagem urbana buscando soluções junto ao Ministério das Cidades. Assinamos recentemente um convênio do “Se Essa Rua Fosse Minha”, que busca padronizar soluções de saneamento, pavimentação e arborização.


CI: O desenvolvimento urbano inteligente é uma pauta global. Que tipo de transformação digital pode ajudar a construir cidades e edificações mais eficientes e resilientes no Brasil?  

Renato Correa: Cidades sustentáveis e resilientes são exatamente o que estamos tratando na Sustainable Business COP (SBCOP), que é uma coletânea de cases de sucesso na questão energética, de drenagem, de urbanismo, para que possamos, junto com a CNI, divulgar para os países na COP30.


O tema cidades é apaixonante. Os trabalhos que estão sendo feitos são de adaptação a essa realidade de mitigação dos danos. Quando você observa enchentes ou secas, incêndios, é preciso que se repense as cidades, a maneira dos planos diretores orientarem o crescimento para se adaptarem a essa nova realidade climática.

 

CI: Como podemos garantir que a expansão do setor seja acompanhada por uma qualificação da mão de obra, criando empregos formais e de qualidade, especialmente para os jovens?  

Renato Correia: O desafio da mão de obra hoje em dia não é um desafio do setor da construção, está espalhado por todos os outros. No comércio e serviço de hotelaria, no hospitalar, todos estão enfrentando, no nosso país, uma dificuldade de disponibilidade de mão de obra, devido a diversas mudanças comportamentais e estruturais. 
 

A pandemia destravou uma série de atividades que acabam concorrendo com o trabalho tradicional, como os aplicativos, os influencers, comércios via internet. É possível fazer muita inovação com isso.


O que a gente vê na área de engenharia e de construção é exatamente o upgrade que vamos ter na industrialização, com processos mais digitais, mais robóticos, mais atraentes para a juventude, de estar ali numa gamificação de um trabalho, por exemplo. Temos a certeza de que o trabalho vai ser melhor e mais bem remunerado.  
 

CI: Quais as políticas públicas e os aspectos relacionados a funding mais urgentes que o Brasil precisa implementar para enfrentar o déficit habitacional e garantir moradia digna para a população de baixa renda?  

Renato Correia: A primeira delas é a preservação do FGTS para este fim, assim como para atender ao trabalhador no momento da sua demissão, do seu infortúnio. A sociedade precisa compreender que, como a habitação não tem recursos destinados no Orçamento da União, o FGTS é uma solução muito importante e tem entregado muitos resultados. A Faixa 1 tem feito a diferença para quem não pode adquirir o seu imóvel via financiamento. Ele recebe praticamente subsidiado.  


Temos que estimular o Fundo Social do Pré-Sal a colocar um pouco mais de recurso para a habitação. É um recurso que, inteligentemente, foi destinado para essa área. Temos que aproveitar o Pré-Sal, a Margem Equatorial e todas as possibilidades que o petróleo ainda possa proporcionar.


Por fim, precisamos revisitar a caderneta de poupança. Usamos em habitação apenas 50% dos depósitos da poupança. Há uma obrigatoriedade de os bancos usarem 65%, mas, na prática, o percentual não é atingido. E 20% ficam depositados a título de garantia dos depósitos da caderneta de poupança.


Nossa sugestão é liberar pelo menos mais 5% desse depósito compulsório, para que se possa atender de forma mais imediata uma escassez momentânea de recursos. Mas, estruturalmente, precisamos baixar as taxas de juros, não de forma forçada, mas que as nossas condições econômicas permitam uma redução real dessa taxa. 
 

CI: Em um cenário de incertezas econômicas e juros altos, quais as principais barreiras que ainda impedem avançarmos em parcerias público-privadas (PPPs) mais eficazes, e qual seria a agenda mínima para um pacto nacional pela infraestrutura e habitação?  

Renato Correia: A agenda mínima é trabalharmos a responsabilidade fiscal, a eficiência do governo, a reforma administrativa, como um ponto-chave de virada cultural do nosso país.  

 

Há 30 anos, vivíamos com o dragão da inflação. Houve um pacto nacional. O governo, na época, conseguiu estabelecer um plano. Hoje, precisamos melhorar a eficiência do Estado, como um todo, baixar o endividamento. Isso é fazer mais com menos. 
 

Por exemplo, a média de aprovação de projetos na área de habitação no país é de 18 meses. A média da construção de um imóvel também. Não faz sentido demorarmos o mesmo tempo na burocracia para obter um alvará do que construir um edifício enorme, com concretagem, aço e tudo que o valha. O poder público tem regramentos burocratas e estamos na época digital.


CI: Além das grandes obras, o setor de construção também impacta a escala local. Como a indústria pode contribuir para a revitalização e requalificação dos centros urbanos e a melhoria de edificações já existentes?  

Renato Correia: A CBIC fez um levantamento dos principais gargalos nas principais cidades. Por exemplo, as normas técnicas do Corpo de Bombeiros não são adequadas a edifícios antigos. Então, quase temos que demolir e fazer outro edifício no local. Isso não é racional. Nós precisamos de uma adaptação. 
 

A Caixa já conseguiu avançar em alguns pontos, como no financiamento de um empreendimento de retrofit. Há soluções para comprar o prédio, como se fosse a compra de um terreno.  


O empreendedor pode financiar essa aquisição. Existe também o financiamento do cliente que quer comprar. Há um arcabouço enorme que precisa ser trabalhado para acabar com gargalos, para que o regulamento seja claro e os bancos e investidores se sintam confortáveis em empreender nos centros das cidades, que são preciosidades.


Os centros das cidades como em Recife, Salvador, Rio de Janeiro, como a potência que virou o Porto Maravilha, com a chegada da habitação, com a revitalização. Agora precisamos tornar isso escalável. Na fase piloto, encontramos bons projetos Brasil afora.  

 

CI: A sustentabilidade vai além do meio ambiente e inclui o social e a governança (ESG). Como o setor tem se inserido na agenda ESG?  

Renato Correia: Um dos pontos importantes é o equilíbrio. A CBIC trabalha com esse viés. Tanto olhar a parte econômica e financeira, onde tentamos qualificar as empresas, as pessoas que estão envolvidas para que o negócio possa ser corretamente dimensionado, quanto o relacionamento e o incentivo à interlocução com a sociedade civil. Em relação à sustentabilidade, já citei vários trabalhos que estamos fazendo.


Temos um projeto chamado “Futuro da Minha Cidade”, que envolve toda a sociedade civil organizada de um local e faz-se um planejamento de 20 anos buscando a melhoria do desenvolvimento econômico e social de lá. Isso foi muito bem implantado em Maringá na década de 90. A CBIC estabeleceu um projeto replicando esse modelo. Hoje mais de 30 municípios utilizam esse modelo de gestão, apoiando o poder público a buscar o melhor desenvolvimento econômico e social. Então, estamos intimamente ligados ao desenvolvimento das cidades e das pessoas.