Professor Feras na FIRJAN SENAI SESI

FRONTEIRAS DA IA E
OUTRAS TECNOLOGIAS


Feras Awaysheh é professor associado de Edge Intelligence na Universidade de Umeå, na Suécia, onde também é pesquisador sênior no Laboratório de Sistemas Distribuídos Autônomos. Ele lidera diversas iniciativas de pesquisa sobre aprendizado federado (FL), inteligência artificial na borda (Edge AI) e sistemas distribuídos que preservam a privacidade, com ênfase em aplicações industriais, de saúde e científicas.

 

Awaysheh colabora com os Institutos de Inovação e Tecnologia da Firjan SENAI SESI em pesquisa sobre como o FL pode ser incorporado em ambientes industriais inteligentes para manutenção preditiva, controle de qualidade e monitoramento de sustentabilidade. Em visita ao Rio de Janeiro, o pesquisador concedeu esta entrevista exclusiva à Carta da Indústria, que você acompanha a seguir.

 

Carta da Indústria:Como você vê a combinação de biotecnologia e inteligência artificial acelerando o desenvolvimento de soluções sustentáveis na indústria, no Brasil e no mundo? 
Feras Awaysheh: A convergência da biotecnologia e da inteligência artificial (IA) representa uma mudança de paradigma na forma como abordamos a sustentabilidade na indústria. A biotecnologia oferece ferramentas para “engenheirar” processos e materiais biológicos, enquanto a IA fornece a inteligência para otimizar e automatizar esses processos em grande escala. Quando combinadas, elas possibilitam a inovação biológica baseada em dados. Desde a agricultura de precisão até biocombustíveis sustentáveis e sistemas de valorização de resíduos.  

 

Para países como o Brasil, com rica biodiversidade e uma forte bioeconomia, essa sinergia pode ser transformadora. A IA pode ajudar a modelar sistemas biológicos complexos, otimizar fluxos de trabalho de bioprocessamento e prever o comportamento de organismos geneticamente modificados em diversas condições ambientais. Em minha pesquisa em aprendizado federado, focamos em modelos de IA que podem ser treinados em ambientes descentralizados, sem compartilhar dados brutos. Ao mesclar IA que preserva a privacidade com inovações em bioengenharia, podemos desbloquear soluções sustentáveis em biomanufatura, agricultura inteligente e monitoramento ambiental, garantindo ao mesmo tempo o uso ético dos dados e a inclusão, especialmente nos países do Sul Global, como o Brasil.

 

CI: Quais são os principais desafios técnicos e éticos ao integrar a IA com tecnologias para promover uma produção mais sustentável? 
Feras Awaysheh: Embora a IA possa aumentar significativamente a eficiência, reduzir desperdícios e otimizar o uso de recursos em diversas indústrias, deve ser aplicada com cautela, especialmente em domínios sensíveis como a biotecnologia. As decisões informadas por IA podem afetar ecossistemas, a saúde humana e as bioeconomias nacionais.  

 

Portanto, a implementação da IA na indústria sustentável deve equilibrar inovação com transparência, justiça e inclusão, especialmente em economias diversificadas como o Brasil. Em trabalho aplicado por meio de minha colaboração com a Firjan SENAI no Brasil, exploramos como o FL pode ser incorporado em ambientes industriais inteligentes para manutenção preditiva, controle de qualidade e monitoramento de sustentabilidade.  

 

Eticamente, a adoção da IA em ambientes bioindustriais levanta questões significativas sobre soberania de dados, justiça e transparência algorítmica. É essencial garantir que os contribuintes dos dados mantenham o controle sobre suas informações. Mecanismos de governança e confiança devem ser codesenhados com as partes interessadas, principalmente em domínios de alto impacto, como desenvolvimento de medicamentos, genômica de culturas ou controle de poluição. Em nosso trabalho com a Firjan e outros parceiros, enfatizamos a importância da IA ética por design, onde transparência, responsabilidade e sustentabilidade são incorporadas ao ciclo de vida do modelo desde o início.

 

Feras no Parque Tecnológico
Feras falou para alunos e pesquisadores da Firjan SENAI SESI sobre IA e tecnologias convergentes (Foto: Paula Johas)

 

CI: Você pode compartilhar exemplos de aplicações concretas em que a convergência entre outras tecnologias e a IA já está contribuindo para a sustentabilidade industrial no Rio de Janeiro ou no Brasil? 
Feras Awaysheh: O Brasil – particularmente o Rio de Janeiro por meio de instituições como a Firjan SENAI – tornou-se um centro emergente de inovação na interseção entre biotecnologia e IA. Uma área promissora é a biomanufatura assistida por IA, onde dados em tempo real de biorreatores são usados para otimizar fermentações, reduzir o consumo de energia e minimizar desperdícios. Modelos de IA podem analisar vias metabólicas e parâmetros ambientais para melhorar os rendimentos e a qualidade do produto – crucial para a produção química e farmacêutica sustentável.  

 

Estamos explorando como o Aprendizado de Máquina Federado pode otimizar processos em ambientes industriais de biotecnologia, sem exigir a centralização de dados. Outro exemplo é a aplicação de IA em biossensores ambientais, onde modelos de aprendizado de máquina são treinados para permitir a detecção precoce de poluentes ou degradação do solo no Brasil

 

CI: Como essas tecnologias podem ajudar a reduzir o impacto ambiental das indústrias no Brasil? 
Feras Awaysheh: A IA e a biotecnologia juntas podem reduzir significativamente a pegada ecológica de indústrias-chave brasileiras, melhorando a precisão, minimizando desperdícios e promovendo práticas regenerativas. Na agricultura, a IA pode otimizar a irrigação, o controle de pragas e o planejamento de culturas, enquanto a biotecnologia pode fornecer variedades de plantas resilientes e de alto rendimento adaptadas aos climas locais.

 

A integração das duas permite a bioagricultura de precisão, onde dados de sensores e insights genéticos são combinados em tempo real para orientar decisões sustentáveis em nível de fazenda. Na saúde e na manufatura, o controle de bioprocessos impulsionado por IA e os diagnósticos personalizados ajudam a reduzir o uso de materiais e a demanda de energia. Por exemplo, na biomedicina, será possível prever as melhores condições para a expressão de proteínas ou formulação de vacinas. Na manufatura, a IA pode orientar fluxos de trabalho de química verde, rastrear emissões e apoiar a análise do ciclo de vida de produtos derivados da biotecnologia.  

 

Em meu trabalho com a Firjan e outros colaboradores, estamos avançando nesse sentido ao desenvolver sistemas de IA na borda, que podem operar com consumo mínimo de energia, permitindo que a IA sustentável seja implementada em ambientes remotos ou com restrições de recursos, como clínicas rurais ou pequenas propriedades agrícolas – apoiando não apenas objetivos ambientais, mas também a inclusão social.

 

CI: Quais habilidades e conhecimentos são essenciais para os profissionais que desejam trabalhar na interface entre biotecnologia, IA e sustentabilidade? 
Feras Awaysheh: Profissionais nesta interseção precisam ser multilíngues entre disciplinas, combinando bases sólidas em ciência de dados, biologia molecular e ciência da sustentabilidade. Do lado da IA, habilidades em aprendizado de máquina, privacidade de dados (por exemplo, aprendizado federado, privacidade diferencial) e computação em nuvem e na borda são cada vez mais vitais. Do lado da biotecnologia, o conhecimento de análise de dados genômicos, engenharia de bioprocessos e ferramentas de bioinformática é crítico. Igual importância têm as habilidades interpessoais em raciocínio ético, pensamento sistêmico e comunicação entre setores.

 

Os profissionais devem entender não apenas como construir modelos, mas também como interpretar seus resultados de forma responsável, garantir alinhamento com os contextos ambientais e sociais locais e a colaboração entre a indústria, academia e política. Enfatizamos também o aprendizado prático baseado em projetos, onde os participantes trabalham em desafios reais de sustentabilidade.

 

CI: Como as empresas podem incentivar a inovação responsável ao combinar essas tecnologias, garantindo benefícios sociais e ambientais? 

Feras Awaysheh: As empresas podem liderar a inovação responsável ao incorporar ética, transparência e sustentabilidade em suas estratégias de tecnologia desde o início. Isso inclui adotar estruturas de IA que preservem a privacidade, ao lidar com dados sensíveis biológicos ou relacionados à saúde, assegurando conformidade com leis de proteção de dados e consentimento da comunidade.  

 

Também devem investir em ecossistemas de inovação aberta que promovam a colaboração com startups, instituições de pesquisa e organizações cívicas para cocriar soluções que sejam não apenas tecnicamente sólidas, mas também culturalmente apropriadas e ambientalmente regenerativas. Empresas ligadas a redes de inovação, como a Firjan, estão cada vez mais explorando modelos de bioeconomia circular, apoiados por IA, em que resíduos de um processo viram insumos para outro, minimizando o impacto ecológico.  

 

CI: Quais são as perspectivas futuras para a convergência da IA com outras tecnologias na construção de uma indústria mais sustentável e resiliente?  

Feras Awaysheh: O futuro da indústria sustentável será moldado pela convergência de sistemas inteligentes, biológicos e descentralizados. À medida que a IA evolui, com avanços como modelos de base, sua integração com biotecnologia, ciência dos materiais e tecnologias energéticas desbloqueará capacidades sem precedentes – desde edição genética guiada por IA para organismos de captura de carbono até plataformas de simbiose industrial impulsionadas por IA em tempo real, que equilibram dinamicamente os fluxos de recursos entre os setores.  

 

Para o Brasil, com sua biodiversidade única, capacidade industrial e impulso digital, a convergência da IA e da biotecnologia representa uma oportunidade estratégica de liderar a transição global para a sustentabilidade, se apoiada por políticas inclusivas, infraestrutura robusta e desenvolvimento de talentos interdisciplinares. Em síntese, a convergência da IA e da biotecnologia oferece não apenas uma evolução tecnológica, mas uma oportunidade profunda de redesenhar como vivemos, produzimos e coexistimos com o ambiente. Pode possibilitar desde agricultura sustentável até avanços na saúde e na biomanufatura.

 

E como sempre digo: “O sol nasce para dar luz, os dados surgem para oferecer sabedoria”. A luz nos revela, mas a sabedoria nos permite escolher. Com ecossistemas colaborativos, como os da Firjan no Brasil e a pesquisa global em aprendizado federado e IA na borda, sigo otimista de que podemos construir um futuro resiliente, ético e sustentável, alimentado pela inteligência, mas enraizado em valores humanos.