Matias Spektor, vice-diretor na FGV

A GEOPOLÍTICA
MUNDIAL DE 2025


Donald Trump dita as regras do comércio, da defesa e da política internacional gerando tensão no mundo


Um passeio pelos dois governos Donald Trump, na presidência dos Estados Unidos, com referências à polarização americana, chinesa e russa. Esse é o foco da análise feita pelo vice-diretor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV SP), Matias Spektor. A nova geopolítica mundial e os reflexos desses movimentos no Brasil foram o tema de um debate envolvendo diplomatas e empresários da indústria fluminense no evento Pensa Mundo, realizado na sede da Firjan no dia 13 de março – antes, portanto, da imposição do tarifaço, mas cujo panorama traçado se revela agora, e em tão pouco tempo, ainda mais imperativo. Para Spektor, o país tem um leque de oportunidades a serem exploradas com todas as mudanças que têm sido capitaneadas nessa segunda gestão Trump.


Governo Trump 1


Entender a diferença entre Trump 2 e Trump 1 nos ajuda a entender quais são as peças e movimentos possíveis no tabuleiro atualmente. Quando Trump chegou ao poder em 2016, para o primeiro mandato, ele veio com uma visão que pode ser sintetizada da seguinte maneira: o equilíbrio de poder no mundo migrou do Atlântico Norte para o Leste. E isso significa que os Estados Unidos não podem custear o ordenamento europeu como fizeram ao longo do século XX. 


Portanto, os EUA precisariam reduzir a sua influência geopolítica na Europa para poder migrar seu foco para a Ásia, para se dedicar a lidar com o principal desafio geopolítico do país, que é a competição de segurança com a China.  

 

Ascensão da China 

 

A segunda linha do governo Trump era que os Estados Unidos não podem custear o ordenamento no Oriente Médio. Também precisam sair dessa região já que a ascensão da China é tão brutal, tão acelerada, tão intensa e desafia tanto os Estados Unidos que esse alvo é necessário. Já a terceira linha mestre do primeiro governo Trump era que, o mundo que não é mais unipolar, não tem só uma grande potência.


Mundo genuinamente multipolar 


Agora o mundo é genuinamente multipolar. Tem três grandes polos na concepção do Trump. A Europa não é um polo, e sim os Estados Unidos, a Rússia e a China. E nessa terceira concepção do Trump, o desafio é assegurar que cada uma das três grandes potências tenha à sua volta uma esfera de influência. E nessa esfera, a outra potência não deve se meter.  


Ele não conseguiu implementar nenhuma dessas três metas. Ao mesmo tempo, ele se rodeou do establishment do Partido Republicano, mas ainda havia grandes figuras que não respondiam a ele. Os secretários de Estado, os chanceleres, por exemplo, eram grandes, e não deviam a sua trajetória de carreira a ele. 


Trump 2 tem maioria expressiva 


Qual é a diferença daquele mundo para o Trump 2? Esse novo governo Trump chega com o frescor do mandato popular, com maioria expressiva – o que inclui tanto o apoio da opinião pública quanto da maioria na Corte Suprema e nas duas Casas do Congresso. Quando da tentativa de volta, de insurreição de janeiro de 2021, ele queimou seus laços com o Partido Republicano. 


Nenhuma grande figura do Partido Republicano pode ir a público defendê-lo. Então, o atual governo Donald Trump está muito mudado, valorizando uma nova geração de republicanos, representados pelo vice-presidente da República, James David Vance, e pelo empresário Elon Musk.  


Não há anteparo dentro do Partido Republicano ao Trump de hoje. E não haverá anteparo ao Trump nos próximos dois anos. O próximo teste será nas eleições daqui a dois anos, quando ele precisa tentar renovar a sua maioria na Câmara dos Deputados e no Senado.  


Se ele mantiver a maioria, terá capacidade de controlar o processo de sucessão e influenciar quem será o seu sucessor. Se ele perder a maioria daqui a dois anos, o Partido Republicano vai tentar se livrar dele, que perderá a capacidade de fazer política dois anos antes de terminar o mandato. 

 

Spektor fala na Firjan
Matias Spektor traça um paralelo dos dois governos Trump (Foto: Paula Johas)


Empoderamento e economia resiliente 


Então, o Trump que chega agora é este presidente absolutamente empoderado, com uma economia muito mais resiliente e forte do que se pensava. A principal economia do planeta são os Estados Unidos.  


Uma economia crescida, com inflação alta, com uma taxa de juros alta, que pode comprometer a capacidade do governo de entregar os bens públicos que prometeu ao seu eleitorado.  

 

O jogo virou na América do Sul 

 

Todas as iniciativas dele do primeiro mandato, sem exceção, fracassaram. Mesmo em lugares onde os Estados Unidos têm força desigual, como na América Latina. No primeiro mandato de Trump, seus dois chanceleres, o Mike Pompeo e o Rex Tillerson, vieram à América do Sul tentar impor aos governos locais, inclusive ao brasileiro, que não permitissem a Huawei de participar de licitações governamentais para a tecnologia de 5G. E não conseguiram resultado positivo. 


EUA evoluem no Oriente 


No Oriente Médio, o mundo viu com assombro a política dos Estados Unidos para a região. A direção é muito clara: a aceitação explícita de um grande Israel. Os EUA querem declarar vitória e sair em retirada.  

 

Transacional com parceiros fortes e predatório com os fracos 


Essa situação traz à tona uma dimensão de Trump em que o Brasil tende a perder. Um panorama do que já saiu na imprensa – a maioria dos comentários é que o Trump é um presidente transacional, um presidente do “Toma lá, dá cá”.  


Ele é transacional apenas com quem considera forte. Ele é transacional com a Índia, que é uma potência em ascensão, mas não com quem considera ser mais fraco, como o Panamá, a Dinamarca e todos os europeus. Com eles, o presidente dos EUA é predatório. 


Apesar de o Brasil estar preocupadíssimo com Trump, o mundo já esteve em situação semelhante. Durante a Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos custearam o esforço de guerra. No entanto, no fim da Primeira Guerra Mundial, quando chegou a hora de montar as instituições para assegurar a paz na Europa, o Senado republicano negou a possibilidade de o Executivo americano arcar com o custo e manter a paz na Europa. E o resultado disso foi um desastre completo: a Segunda Guerra Mundial.


EUA evitaram entrar na Segunda Grande Guerra 


Durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos hesitaram em entrar em defesa da Europa e do resto do mundo. Mesmo assim, os EUA apoiaram, mas apenas emprestando equipamento militar, ou seja, os britânicos e os franceses pagariam por essa ajuda; e os EUA ficaram com todas as bases britânicas e francesas da América Latina. 


Quando o presidente Nixon decidiu descolar o dólar do ouro, os Estados Unidos exportaram a sua inflação para o resto do mundo. Quando o presidente Reagan chegou ao poder, produzindo a revolução que hoje em dia a gente chama de neoliberalismo, todos os países foram pegos de surpresa. 


Fim da diplomacia 


O que vai acontecer agora? A diplomacia tradicional acabou, é outro jogo agora. Quando o neoliberalismo se espalhou pelo mundo ocidental, o chanceler brasileiro Saraiva Guerreiro dizia que a política comercial liberal implantada pelos EUA era mais destrutiva aos negócios nacionais que qualquer conflito armado. Nos últimos anos, houve um ordenamento internacional minimamente estável, mas agora o presidente Trump vem chacoalhar tudo de novo. 


Sistema multipolar e oportunidades 


Quais as implicações disso para o Brasil? Desde 1989, quando acabou a Guerra Fria, o Brasil tem uma política externa toda baseada nas ideias de que o nosso sonho é que o sistema internacional não seja unipolar, mas, sim, multipolar. E estamos num sistema multipolar agora. Isso significa que este é um mundo que, apesar da turbulência, é cheio de oportunidades para o Brasil e para a América Latina e o Oriente Médio. Os países do Golfo têm capital, interesse e capacidade diplomática. A política externa brasileira prestou muita atenção a esses países quando da crise do petróleo em 1973, mas atualmente a gente não tem uma estratégia para esses países.


Diplomacia criativa 


No governo Lula, os Brics são um grupo dos maiores países produtores de petróleo. Apesar da instabilidade, este é um momento de grande criatividade. De dificuldade também, com altas taxas ao Brasil, com a mudança do clima, tendo a Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas, a COP 30, que será em Belém. A COP 30 vai sofrer um golpe enorme com a saída dos Estados Unidos, mas o ônus é nosso de imaginar o que deveria ser uma diplomacia criativa.