Alexandre Nascimento, especialista em inteligência artificial

IA PARA MICRO, PEQUENAS
E MÉDIAS EMPRESAS


A paixão por inovação desde a infância despertou em Alexandre Nascimento o interesse por pesquisas científicas e desenvolvimento de novos produtos, o que realizou em suas várias empresas que usam inteligência artificial (IA) e outras técnicas para automação. O engenheiro empreendedor e professor com passagem por prestigiadas universidades e empresas no Brasil, Ásia, Europa e EUA, com dezenas de publicações e patentes, faz parte do corpo docente da Singularity, universidade que fica no Vale do Silício e tem filial no Brasil. Desenvolveu uma metodologia sistemática, que permite inovar com baixo risco, entendendo como é o futuro. Através de cursos, programas, imersão e palestras, entrega para empresas como identificar oportunidades no mercado, resolver problemas complexos e encontrar novos caminhos para o futuro, por meio da aplicação de tecnologias exponenciais. 

Nesta entrevista exclusiva para a Carta da Indústria, Alexandre Nascimento – que em junho foi o palestrante da aula magna da Jornada Imersiva Firjan IEL de Inteligência Artificial – sinaliza os diversos retornos que empresas de todos os portes têm a partir do uso da IA. 

CI: Como é possível despertar a visão estratégica das micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) sobre a necessidade de introduzir a inteligência artificial (IA) na otimização de processos industriais? 
Alexandre Nascimento: Como a visão estratégica está olhando para o longo prazo e a inteligência artificial permite criar modelos que nos ajudam a ver um pouco mais o futuro, a ideia é mostrar para a liderança estratégica que essas ferramentas são de apoio para a construção do futuro. Servem para enxergar um pouco mais à frente, para não ficar baseado na intuição do executivo, que, mesmo muito experiente, pode ter vieses, e geralmente são vieses do passado. Com modelos bem estruturados, bem-feitos, baseados em dados, ele consegue ter uma resolução melhor da visão de futuro e preparar a empresa ou entender, por exemplo, que aspectos vão ajudá-lo a atingir uma meta. No operacional, essas ferramentas ajudam a otimizar, aumentar a eficiência operacional e aumentar também a eficácia para atingir os objetivos operacionais de curto prazo. Demonstrando isso para os executivos, geralmente eles ficam sensibilizados e se abrem para usar essas tecnologias. 

CI: Qual é o primeiro passo de uma empresa para adotar a IA em seus processos? 
Alexandre Nascimento: O primeiro passo é o entendimento em IA. Chamamos de AI literacy (alfabetização em IA) a capacidade de compreender, usar, monitorar e refletir criticamente sobre as aplicações de IA, ou seja, as pessoas aprenderem, entenderem o que é, como realmente funciona, filtrando bastante o hype (exagero), e o que é possível fazer. Há muito hype, muita coisa que aparece no TikTok, nas redes sociais, que ajudam por um lado a despertar o interesse, mas, às vezes, são exemplos fantásticos, mas tão específicos que não necessariamente vão funcionar em qualquer circunstância. Então, pode gerar uma expectativa muito alta de coisas irreais, que ainda não são possíveis realizar, que a IA ainda não está preparada. Daqui a uns dois ou três anos, vamos chegar lá.

 

 Alexandre Nascimento, na Jornada Imersiva Firjan IEL de Inteligência Artificial: "A IA transforma a realidade das empresas no nível estratégico. Muda o modelo de negócios e aumenta a capacidade de atingir os objetivos estratégicos" (Foto: Bernardo Cartolano)

 

CI: Como as IAs podem ajudar nos negócios? Como você define o nível da IA nesse momento? 
Alexandre Nascimento: Há muita ferramenta que pode ajudar bastante nos negócios, mas esse nível depende da maturidade das empresas. A IA está muitos passos à frente da maior parte da capacidade das empresas de absorver o valor que a tecnologia pode gerar. Apesar de todo mundo sonhar em ter uma inteligência artificial perfeita, que adivinhe muito bem o futuro, a maior parte das empresas não sabe o que fazer com a informação. Então, desenvolvemos uma metodologia baseada em pesquisa, que chamamos AlxCeleration, para definir os níveis de maturidade que uma empresa tem para aproveitar o que existe da IA. A maior parte delas está no nível de maturidade 1, que é colocar inteligência nas áreas de negócio, nas áreas da empresa. O nível de maturidade máximo, que é um ecossistema inteligente, poucas empresas no mundo possuem. Só as big techs trabalham nesse nível. 

CI: Quais as principais dificuldades que as MPMEs enfrentam nesse processo de utilizar a IA? 
Alexandre Nascimento: Fizemos muita pesquisa para entender o que fazia os projetos de IA darem errado ou não darem o resultado esperado. E só 5% era aspecto técnico; 95% é aspecto humano, de gestão. Falta apoio da liderança estratégica. A IA é vista, às vezes, como algo que resolve tudo. E ela não resolve tudo. A IA é um companheiro, uma ferramenta a mais para ajudar o executivo a resolver. Há empresas que conseguem um modelo muito bom, mas ninguém usa. É preciso pegar a informação e transformá-la em uma ação, numa tomada de decisão por parte do executivo. Por exemplo, se você tem um padrão que mostra que um cliente vai cancelar o serviço, é necessário ter um processo dentro da empresa para evitar isso, como um desconto ou uma anuidade gratuita. Se a empresa conhece o futuro, mas não tem um processo, ela não vai saber lidar com isso. Vai jogar dinheiro fora. 
  
CI: Quais os avanços ou facilidades que a IA pode promover para as empresas no Rio de Janeiro e no Brasil? 
Alexandre Nascimento: A capacidade de prever a demanda é uma das grandes dificuldades para todas as empresas, mas principalmente as pequenas e médias. Errar muito a demanda contribui para a alta taxa de mortalidade das empresas. Quando você aprende a usar, os modelos de IA ajudam a prever algumas variáveis, como a demanda, com um pouco mais de precisão. Mesmo que você seja experiente e tenha intuição, ela melhora, ela aguça a sua intuição para prever a demanda e para outras tomadas de decisão. Um dos grandes papéis da IA é ajudar a aumentar a eficiência operacional, ser mais eficaz e perder menos dinheiro, economizando recursos. Ajudamos empresas onde trabalhamos a simplificar, a fazer mais com menos. Como os pequenos empresários geralmente têm pouco recurso, consegue fazer mais com o dinheiro que tem ou a mesma coisa com menos dinheiro. Essa é a ideia. 

O Brasil já tem várias empresas usando modelo de IA. No Rio, tem o caso da Vale, um dos grandes cases de IA. Lá, foi feita uma transformação para justamente colocar a inteligência artificial onde humanos tinham que atuar e corriam risco de vida. E não foi para demitir ninguém, não. Situações de perigo, em que o funcionário tinha que botar o rosto e poderia voar um negócio nele e outras coisas assim. A empresa colocou o algoritmo de IA para ele ficar à distância olhando uma tela e operando. 

CI: Por que você considera as micro e pequenas empresas o motor da economia? Como a IA pode contribuir com elas? 
Alexandre Nascimento: As pequenas e médias empresas têm o maior volume e número de negócios existentes nos países. Geralmente, mais de 90% são pequenas e médias, as grandes são poucas. Num choque econômico, as grandes sofrem mais, são as primeiras a demitir, até para dar uma resposta ao investidor. Já o pequeno empregador, o dono da padaria, por exemplo, não demite, ele se endivida para manter aquele time que funciona bem. Historicamente, essas empresas são amortecedoras. A IA pode ajudá-las a prever um pouco o futuro, otimizando o investimento para fazer mais com menos. Temos vários cases que aumentam o lucro, o resultado, ou seja, forma caixa, patrimônio, e as empresas tendem a ter uma taxa de mortalidade menor. 

CI: Como a IA pode elevar os processos industriais a novos níveis de eficiência, produtividade e precisão? 
Alexandre Nascimento: Os algoritmos da IA percebem um padrão, como as coisas estão ligadas. Com isso, eles identificam, por exemplo, oportunidades e gargalos na produção e ajudam a entender os entraves e como é possível gerar mais resultado com menos recursos. 

CI: Em quais setores ou áreas de atuação a IA pode se tornar uma ferramenta importante? 
Alexandre Nascimento: Todos os setores, em qualquer tipo de empresa, de serviço, varejo, comércio, indústria. É bom deixar isso claro porque as pessoas, às vezes, pensam que a IA é só para tecnologia, não é para uma padaria. 

CI: Como as empresas devem capacitar seus funcionários e líderes? 
Alexandre Nascimento: São capacitações diferentes. Há uma capacitação de AI literacy, para o líder entender como a AI se torna uma ferramenta estratégica. E foi isso que a gente trouxe para o Brasil. Inclusive, potencialmente, a Firjan IEL deverá, no futuro, oferecer para a liderança uma visão de uso da IA como ferramenta estratégica. E para o nível mais operacional, a capacitação vai focar em como a IA pode ajudar a aumentar a produtividade no dia a dia, a fazer algumas automações, análises de dados, entre outros pontos.

A IA é perfeita? Não. Ela vai errar? Vai. Mas, na média, ela erra menos do que o humano e enxerga coisas que nós não enxergamos. A IA transforma a realidade das empresas no nível estratégico. Muda o modelo de negócios e aumenta a capacidade de atingir os objetivos estratégicos, ou até de fazer com que tenham objetivos estratégicos mais ambiciosos de longo prazo. 

CI: Você destaca que não existe mágica nesse processo. Os resultados não são imediatos e nem de curto prazo, geralmente, e que é preciso um período de amadurecimento do modelo, de ajuste e testes, para obter resultados consistentes. Qual seria esse prazo, de uma maneira geral? 
Alexandre Nascimento: Quando a gente usa a metodologia que nós usamos, a AIxCeleration, o resultado começa a aparecer em seis meses. Às vezes, até antes, mas é uma planta que se precisa regar. A partir daí, os resultados vão aumentando, melhorando e se integrando à realidade da empresa. À medida que os resultados vão aumentando, aumenta o desafio. Começamos com o nível de maturidade de criar inteligência para as áreas e depois navegamos nos outros níveis de maturidade para que a empresa fique preparada para o futuro, ou seja, uma empresa inteligente. Sem a IA, a empresa vai perder a vantagem competitiva, seja do tamanho que for. A empresa tem que ter uma área que cuide disso, porque uma empresa não poderá existir sem ter esse tipo de inteligência. Elas vão perceber que no Word, no Office, as coisas vão começar a aparecer e ela vai começar a usar. A tendência é que para essas empresas pequenas fique mais barato e mais integrado ao dia a dia. Como é que você compete com alguém que consegue ver o futuro e você não vê? 

CI: Na sua visão, a IA impacta duas dimensões cruciais para o sucesso e a longevidade das empresas: eficiência e eficácia. Como a IA pode aumentar essas dimensões, em diferentes áreas, como marketing, produção, logística e recursos humanos? 
Alexandre Nascimento: Em recursos humanos, por exemplo, a IA pode prever, entre outros, a rotatividade de funcionários. Em logística, por mais que tenha algoritmo de roteirização, como o Waze, eles não dão a melhor resposta. Mas, quanto melhor for a IA, e a cada mês a gente tem IA melhor, você consegue melhorar a eficiência e a roteirização, economizando combustível com rotas melhores, com a mesma malha logística, cobrir com menos caminhões ou menos navios e menos pegada de carbono. Para a logística, a IA é fundamental. Em produção, a IA é usada para prever o defeito de uma máquina, peça ou software, podendo se fazer a manutenção preventiva e evitando uma parada no meio da produção, provocando custo. Em marketing, existem modelos que ajudam a investir melhor o seu dinheiro no que dá mais resposta em propaganda, em comunicação, em advertising. 

CI: Qual percentual do faturamento uma empresa deve investir para obter resultados significativos em suas capacidades operacionais? É caro investir? 
Alexandre Nascimento: Se o empresário olha a IA como um investimento que retorna, é barato. Um projeto bem-feito, bem estruturado, retorna. O primeiro investimento deve ser em informação, para formar as pessoas que vão utilizar a IA. O segundo é em experimentos, fazer pequenos projetos para gerar resultado, para todo mundo ficar aberto à adoção. Começar com investimentos para tratar de uma dor específica e ir aumentando. 

CI: A IA vai substituir as pessoas no trabalho? 
Alexandre Nascimento: A IA não vai substituir as pessoas. As pessoas que usam IA vão substituir as pessoas que não utilizam. E isso já aconteceu antes. As pessoas que usam computador substituíram as pessoas que não usam computador. Então, as empresas todas vão usar a inteligência artificial, querendo ou não, porque ela está sendo embutida nas ferramentas que nós usamos de escritório, como o pacote Office da Microsoft, o Google Docs e assim por diante. Quem não quiser usar, não quiser ir além, aprender coisas novas, porque toda semana sai coisa nova, vai ficar para trás, vai perder competitividade. A inteligência artificial é uma parceira.