Janaina Gama ao microfone, no primeiro encontro de engajamento do W20

MULHERES
CONTRA DESIGUALDADE


As mulheres são mais da metade da população mundial e, mesmo assim, respondem por menos de 37% do PIB do planeta. Para discutir uma pauta afirmativa para as mulheres, o G20, que reúne 19 países mais a União Africana e a União Europeia, tem entre seus grupos de trabalho o W20, Grupo de Engajamento das Mulheres no G20. Janaina Gama, que é colíder do W20 e especialista da área de Diversidade e Inclusão (D&I), explica nesta entrevista exclusiva para a Carta da Indústria o papel do W20 neste ano em que o Brasil tem a presidência do G20. “Não deixar ninguém para trás” é um dos lemas do grupo, pontua ela, que recentemente participou de uma reunião do Conselho Empresarial de Mulheres, da Firjan.

 

CI: Como o lema do G20 no Brasil é “Construir um mundo justo e sustentável”, você tem defendido que não existe sustentabilidade sem igualdade de gênero. De que forma o W20, grupo de engajamento formado por mulheres, vai atuar nesse sentido? 
Janaina Gama: Quando se fala de justiça, mesmos acessos, oportunidades de vida, a justiça está presente na lei, na Declaração Universal de Direitos Humanos e na Constituição Federal. Mas na realidade não é assim. Construir um mundo justo é colocar em prática o que está na lei. E a equidade de gêneros dentro da sustentabilidade está ligada à Agenda 2030 da ONU – os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). A agenda foi criada com um lema: “Não deixar ninguém para trás”. As mulheres e toda a sua diversidade estão sendo deixadas para trás ainda hoje em 2024. Ter um grupo como o W20 pensando na inclusão de mulheres é lembrar da nossa lei, pela perspectiva da inclusão econômica e financeira, é lembrar da nossa existência.

 

CI: Como você vê esse cenário de igualdade de gênero nas empresas, em particular no Brasil? E no mundo?
Janaina Gama: A ONU já se posicionou que não existe nenhum país que tenha atingido de fato a equidade de gênero. Do ponto de vista de direitos humanos, elas não têm ainda todos seus direitos 100% garantidos. As mulheres não ganham os mesmos salários que os homens, sofrem violência, enfim. Quando a gente pensa no ambiente corporativo e, principalmente, no da indústria, em muitos lugares o ambiente acaba sendo predominantemente masculino. Há casos de violência, assédio moral, sexual e dificuldade de ascender aos cargos de liderança. As indústrias têm uma grande oportunidade de transformar as realidades. Quando a gente beneficia as mulheres, vai beneficiar toda a sociedade também. Um ambiente que é bom para uma mulher será bom para as outras pessoas que estarão lá também. Um ambiente de respeito, de inclusão, de acolhimento, de empatia. Isso é bom para qualquer ser humano.

 

 

Janaina, em evento na Casa Firjan: as empresas devem criar um ambiente seguro para que as mulheres possam apontar o que está dando certo e o que precisa melhorar nessa trilha para a igualdade (Fotos: Paula Johas)

 

 

CI: Quais seriam as formas mais concretas para que as empresas possam diminuir essa desigualdade?
Janaina Gama: Há diversas ações concretas. A empresa tem que mostrar o que está fazendo para ser uma empresa igualitária. No primeiro momento, fazer um levantamento de quantos homens e mulheres trabalham lá; buscar esse retrato por áreas e por níveis de liderança. Assim, vai saber se está dando oportunidade para homens e mulheres de forma igualitária. Depois, precisa olhar para todos os seus processos: de recursos humanos, de compliance, de segurança e implementar indicadores de diversidade. Acompanhar esses indicadores é superimportante, para checar, por exemplo, se a sua empresa está pagando homens e mulheres de uma forma igualitária em todos os níveis da organização, se todos têm os mesmos acessos aos benefícios, se têm as oportunidades de ocupar cargos de liderança. Também é importante um trabalho de mudança de cultura, e isso demanda tempo, investimento e intencionalidade. Outro assunto que acho interessante é medir o senso de pertencimento, o quanto essa mulher se sente valorizada ali dentro. Para isso, é preciso criar um ambiente seguro para que elas possam apontar o que está dando certo e o que precisa melhorar.

 

CI: Quem são as mulheres brasileiras que participam do W20 junto com as representantes de outros países? E qual o planejamento dos encontros e reuniões do grupo?
Janaina Gama: O W20 é um grupo de engajamento da trilha social do G20, um grupo de mulheres que se reúnem para pensar essa perspectiva de inclusão na sociedade civil, do empoderamento econômico de mulheres no Brasil e em outros países do G20. A ideia do W20 surge pela primeira vez na presidência da Austrália, mas efetivamente na Turquia é que esse grupo se consolida. Ana Fontes, da Rede Mulher Empreendedora, é uma das delegadas que está desde o início e, desde então, tem convidado para participar mulheres da academia que estudam gênero, empreendedoras, mulheres que atuam na justiça, na parte climática e em tecnologia. Os encontros são on-line, uma vez por semana, e nosso evento presencial no Rio será marcado entre o final de setembro e o início de outubro. Vai ser o nosso Summit Internacional, com as delegadas dos outros países, e deve ter um dia de evento aberto ao público. A ideia é que a gente continue aqui no Brasil fazendo esse papel de discussão sobre inclusão econômica e financeira de mulheres.

 

CI: Como você vê o Brasil nessa discussão? Que temas os grupos de trabalho do W20 estão dando prioridade?
Janaina Gama: O país escolhe temas prioritários. O W20 priorizou cinco temas para trabalhar este ano. É empreendedorismo de mulheres, justiça climática, economia do cuidado, violência de gênero e mulheres STEM (carreiras de ciência, tecnologia, engenharia e matemática). A gente trabalha junto com as demais delegadas dos outros países, e nos reunimos de forma periódica a cada ano. Nos dividimos nos cinco temas escolhidos. Nos grupos de trabalho formados de cada tema, discutimos recomendações que serão entregues ao presidente Lula, para que sejam incluídas no documento final do G20. Esse é o nosso objetivo final.

 

CI: Vocês vão discutir também questões étnico-raciais, principalmente no caso do Brasil, que tem 56% da população que se declara negra? E quais outras interseccionalidades o W20 pretende trabalhar?
Janaina Gama: É a atuação da mulher de forma interseccional, com a pauta étnico-racial, já que a presidência do G20 está no Brasil. Temos a necessidade de se pensar em políticas públicas, considerando a questão étnico-racial, que atinge a maior parte da população brasileira. Essa questão vai continuar perdurando pelo menos por mais dois anos, porque, no ano que vem, a África do Sul vai receber a presidência do G20. E em 2026 será nos Estados Unidos. Trazer a pauta étnico-racial é entender que nós mulheres somos impactadas de forma diferenciada pela sociedade e pelas dinâmicas sociais. Então é reforçar que mulheres negras são mais impactadas negativamente, assim como mulheres indígenas. É muito importante considerar esse dado, para criar políticas públicas e privadas que, de fato, incluam mulheres negras e indígenas. Se a gente não pontua essa questão, o problema vai continuar existindo. É crucial ter essa interseccionalidade étnica para, de fato, não deixarmos nenhuma mulher para trás.

 

CI: Qual o resultado esperado no final do processo de escuta da sociedade e de discussão dos grupos de trabalho?
Janaina Gama: O nosso sucesso é ter nossas recomendações no documento final do G20 e, a partir daí, a gente continua fazendo esse papel de advocacy, enquanto grupo de engajamento. A gente vai perder a presidência no final de 2024, mas os problemas continuam no Brasil. A ideia é a gente continuar se reunindo com os outros grupos de engajamento e com o Ministério de Mulheres, para continuar movimentando essa discussão dentro do Brasil. Queremos promover debates, chamar mais empresas, indústrias, para a gente continuar atuando, mesmo depois de não termos mais a presidência do G20, porque o problema vai continuar. Objetivo é elaborar políticas públicas para poder mudar essa realidade.

 

CI: Qual a importância de o Brasil trabalhar em parceria com a Índia, que sediou o G20 em 2023, e com a África do Sul, futura nação a sediar o encontro? E qual o legado que o Brasil quer deixar como liderança do W20 e G20 em 2024?
Janaina Gama: A gente quer deixar como legado chamar atenção para essa questão étnico-racial existente no Brasil. O outro legado seria fazer esse advocacy, entender que o nosso trabalho não termina com a declaração final, mas continua. Nosso grupo vai continuar trabalhando, provocando. Vamos continuar juntos com a África do Sul nesse processo de troca de discussão e de colaboração. Esse trabalho de inclusão social é coletivo. Quando vemos países fazendo essas trocas, se reunindo para reforçar que é preciso acabar com a desigualdade, acreditamos que ter desigualdade no Brasil não é ruim somente para o Brasil, é ruim para o mundo todo. Não deixar ninguém para trás é muito importante, demonstra que a gente é um planeta único. Aquilo que acontece do outro lado do mundo nos atinge também.

 

CI: Qual o principal tema que você gostaria de ver contemplado na declaração final do G20?
Janaina Gama: O nosso sonho é que as recomendações de justiça climática, violência de gênero, empreendedorismo de mulheres e economia do cuidado estejam todas na declaração final. Pelo menos que uma recomendação de cada tema esteja presente no documento, porque a nossa agenda vai impactar positivamente a inclusão de mulheres, do ponto de vista econômico. Se a gente conseguir isso, vamos ficar muito felizes. Ter a pauta de mulheres dentro da declaração final é mostrar a importância do tema. Não tem como você falar de novas economias sem falar de inclusão de mulheres, então esse é o nosso sucesso. A gente está torcendo para que isso aconteça.