Zeina Latif, economista-chefe da XP, ao microfone

MAIS PRODUTIVIDADE
E COMPETITIVIDADE


O Brasil é um país que vai conseguindo vencer obstáculos importantes, apesar do momento difícil do ponto de vista do ambiente macroeconômico: há aspectos positivos em andamento. A análise é de Zeina Latif, economista e ex-secretária de Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo. Pensando na indústria, ela adverte, no entanto, que é preciso buscar ganhos de escala, apesar do Custo Brasil, um grande complicador.

 

“Quando se fala em aumentar o potencial de crescimento do Brasil, é preciso colocar a indústria, que deve voltar a exibir um dinamismo maior”, afirma ela, para quem a vantagem comparativa do Brasil é o mercado consumidor interno.

 

Confira abaixo os melhores momentos da palestra de Zeina no Encontro da Indústria 2024.

 

Volatilidade e gestão do governo 
Observando o comportamento do PIB desde 1980, o que fica claro é que a economia brasileira é muito mais volátil que a do resto do mundo e tem um crescimento menor. O empreendedor precisa de visibilidade no horizonte para tomar decisões. A oscilação da economia acaba retirando esse potencial de crescimento, porque se investe menos. O fato é que essa volatilidade é muito associada aos próprios problemas de gestão da economia pelo governo, com políticas equivocadas e muitos excessos. Há ainda um padrão de intervenção estatal que acaba gerando mais volatilidade.

 

O país está, aos poucos, acompanhando a economia mundial e com um padrão de volatilidade mais parecido. Então, algum acerto tem. Houve uma superação do quadro de polarização extrema, e isso facilita, porque um país muito polarizado dificulta o debate público, a busca por caminhos consensuais ou a construção disso, de visões majoritárias que se consegue implementar. O Brasil é um país complexo e a não política, o fato de não querer fazer política, de negociar, está por trás de crises. O olhar agora é para um país que volta à normalidade com algumas lições aprendidas, um país que vai recuperando o seu potencial de crescimento, com mais sincronismo entre setores e regiões.

 

Zeina Latif no Encontro da Indústria, na Firjan: "A indústria pode ser voz ativa em defesa de políticas de ajuste, porque isso significa colher lá na frente juros mais baixos" (Fotos: Vinícius Magalhães)

 

Contenção de gastos públicos 
Na discussão sobre as surpresas do PIB – a projeção do PIB para 2024, feita no final de 2023, era de um crescimento de 1,5%, e agora é de 3,4% –, os economistas debatem o quanto isso é artificial, apenas por causa dos estímulos fiscais; e uma parte é mesmo, e do quanto é estrutural. Tem, sim, a questão fiscal estimulando a demanda, quando o consumo das famílias cresce 4,5% acima do PIB. Claro que muita política de estímulo aliada ao consumo do governo muito alto acende luzes amarelas e vermelhas no Banco Central. É essencial que o governo desacelere o crescimento dos gastos. E a indústria pode ser voz ativa em defesa de políticas de ajuste, porque isso significa colher lá na frente juros mais baixos.

 

Mercado de trabalho 
Na linha das reformas, olhando a lei da terceirização e a flexibilização da CLT, o que nós observamos é uma geração de vagas no mercado de trabalho com carteira assinada, ou os microempreendedores individuais que estão em um ritmo surpreendente, mesmo com aperto monetário. Tem coisa aqui que é estrutural, de fato. Ter mais flexibilidade para a contratação significa também poder contratar mais. Claro que a alta de juros pode desacelerar um pouco e, com o fato de a economia estar em pleno emprego, é natural que a criação de vagas perca um pouco de fôlego.

 

É visível também que, com tantos benefícios do governo, a oferta de trabalho em algumas regiões fica afetada. Esse é um assunto polêmico, mas é preciso calibrar o Bolsa Família, porque tem gente que recebe e não deveria, e o valor desestimula a busca pelo trabalho. É preciso tocar nessas feridas e não se pode deixar o governo sozinho defendendo esse tipo de política.

 

Incerteza no comércio mundial 
O cenário mundial aponta para mais incertezas do que certezas em relação ao que vai ser o governo Trump. Há incertezas sobre o que vai acontecer com as barreiras comerciais – como os países vão ser impactados –, com a inflação nos Estados Unidos e com os juros. É importante colocar que isso vem em um contexto de resiliência do comércio internacional, mesmo com tanto protecionismo.

 

Mas é necessário destacar que o Brasil surpreende com o quanto a gente tem aumentado o volume exportador, descolando do que era o sugerido pelo quadro internacional. Até a indústria está conseguindo aumentar a sua exportação localizadamente. Então, alguma coisa o país está acertando. Não é sorte.

 

Dólar forte e ajuste fiscal 
A desaceleração da China e a economia norte-americana com ganhos de produtividade superiores ao resto do mundo explicam o dólar forte. E, mesmo que haja ajustes lá na frente, hoje o quadro é de dólar forte. E no Brasil também, porque a questão fiscal não é algo que vai se resolver facilmente.

 

O que precisaria é o governo conseguir apoio no Congresso, e isso vai depender da liberação de emendas; conseguir minimamente avançar com medidas essenciais para dar mais ou maior previsibilidade e reforçar o compromisso com as contas públicas para haver menor volatilidade do dólar e o Banco Central não ter que agir. Achar que o Banco Central vai fazer um choque de juros e resolver tudo é ilusão. Há limite para o quanto a política monetária pode fazer para agir diante de um quadro em que há uma crise de confiança em relação ao governo. Então, tem uma lição de casa do próprio governo.

 

Lembrando que a agenda fiscal não é a agenda de um governo, vai ter que ser perseguida paulatinamente por vários. Por isso que é simbólico e importante o atual governo, um governo de esquerda, admitir que precisa conter gastos. Vamos ter que mexer em políticas sociais, em algumas medidas como BPC (Benefício de Prestação Continuada) e abono salarial.

 

Estamos falando de um país em que mais de 90% das despesas da União são obrigatórias, muitas vezes previstas na Constituição. O gasto com a Previdência é metade do orçamento. Hoje, o país já gasta 8% do PIB no âmbito federal. Tem benefício tributário para todo gosto, difícil de tirar. E o esforço fiscal que está sendo prometido, além de ser tímido, não garante o atendimento, o cumprimento das metas fiscais, o que é visto com muito ceticismo.

 

Reforma administrativa gradual 
Tinha que ser feita uma reforma administrativa, mexer com algumas políticas que não foram tocadas, é verdade. Mas é sábia a ideia de fazer movimentos incrementais, graduais. Não adianta mandar para o Congresso o fim do BPC. Esquece, não existe; aliás, nem era para acabar, é só um exemplo. Não para de pé. Então, há alguma sinalização que é importante, ainda que insuficiente: a direção é correta.

 

Juros e inflação 
O Banco Central tem motivo para se preocupar com o problema inflacionário no Brasil, que já vê escorregar para cima a inflação no atacado. A gente vê um mercado de trabalho apertado e a correção do salário real muito forte. Isso acende todos os alertas para uma inflação que está, de fato, muito teimosa, acima da meta. Nesse contexto, o Banco Central aumenta os juros, o que poderia ter sido evitado ou feito com mais calma, se houvesse um desenho melhor do lado fiscal.

 

A questão agora é discutir o quanto essa alta da Selic pode prejudicar a economia. Há um grande desafio. Mas é improvável haver fortes impactos no mercado de trabalho. A política monetária sozinha não faz crise de desemprego. O melhor dos mundos é o Banco Central subir juros, e isso ser um recado para a questão dos ajustes salariais. A alta dos juros não vai ferir significativamente o potencial de consumo do país. A ideia é uma desaceleração, mas não uma crise dobrando a esquina por causa da Selic.

 

Baixa produtividade e políticas tributárias 
O Brasil leva uma surra de países de renda média como ele na questão da produtividade. Possui muitas empresas com baixíssima produtividade, com frequência maior para as pequenas empresas, já que, com o Custo Brasil, que é custo de verdade, tem que ter escala de produção, a não ser que seja um mercado muito nichado. Uma das razões envolve as políticas tributárias que protegem as pequenas. Por conta disso, elas deixam de crescer para não mudar a tributação, e isso significa ineficiência, impactando a economia como um todo, ao não entregar o produto certo, na hora certa, do jeito certo. Esse é um tema polêmico, é um tema difícil, mas é preciso rever algumas dessas proteções.

 

O desafio da produtividade passa pelo capital humano, com salários compatíveis com a produtividade; e pela carga tributária, com apoio a medidas para contenção de gastos e eliminação de benefícios tributários, além da atenção à insegurança jurídica e à abertura da economia. Quanto mais rapidamente o país superar esses assuntos, mais vai poder avançar em questões estruturais. É importante virar essa página e é necessário o apoio da indústria. Não se pode deixar o governo sozinho nessas batalhas difíceis.

 

Capital humano com mais produtividade 
O problema do capital humano na gestão chama a atenção de investidores internacionais interessados em fusões e aquisições. O problema é muito forte. E a questão de escala de produção para alguns setores é dramática. O Brasil é um país com taxa de investimento baixa por causa da insegurança jurídica, o que mexe na produtividade. Nosso trabalhador produz apenas 25% do trabalhador norte-americano. Mesmo que utilizássemos as mesmas máquinas, a nossa produtividade seria, de acordo com especialistas, apenas 40% da produtividade do trabalhador americano. Então, esse é o grande tema do Brasil: capital humano. O país não está conseguindo formar pessoas para serem produtivas, para serem inseridas no mercado de trabalho com bons salários. O impacto disso no nosso mercado consumidor é relevante.

 

Há uma parcela grande da população que não consegue se inserir no mercado de trabalho porque não tem qualificação suficiente. Quando arruma, é com um salário muito baixo. É claro que essa questão da educação se reflete na produtividade, mas se trata também de fomentar o mercado consumidor. O Brasil tem 65,7% de adolescentes sem habilidades básicas e está posicionado em 10º lugar, atrás da Argentina, Colômbia e Peru e outros tantos, como a China, este o mais bem posicionado, com apenas 6,5%.

 

Inflexão da população em 2042 
O país está envelhecendo e, segundo o IBGE, terá inflexão da população em 2042. No Rio de Janeiro, isso ocorrerá antes. Diante desse quadro, que acende ainda mais alertas nessa questão da disponibilidade de mão de obra, é necessário atrair jovens e ter uma economia dinâmica, diversificada, que consiga atrair jovens empreendedores. Com menos disponibilidade de mão de obra, a questão da produtividade é para ontem, porque cada trabalhador vai ter que ser mais produtivo. Então, é essencial a aceleração de reformas e de tudo voltado para ganhos de produtividade.

 

Mão de obra qualificada na indústria 
A indústria é o setor mais sensível a esse chamado Custo Brasil, pela carga tributária e tudo que vem junto com ela, todas as complexidades e inseguranças jurídicas, porque precisa de mão de obra qualificada e não cara, para não atrapalhar a competitividade. É o elo mais frágil, que depende do mercado doméstico enormemente, diferente dos outros setores de commodities. É um setor que não aguenta qualquer desaforo. A indústria tem um impacto indireto em setores muito importantes, diferente até do setor de serviços. Quando se fala em aumentar o potencial de crescimento do Brasil, é preciso colocar a indústria, que deve voltar a exibir um dinamismo maior. Há alguns sinais positivos, mas é importante que não ocorram mais acidentes de percursos para, de fato, haver uma concretização.

 

Consumo interno 
Vencer a chamada armadilha da renda média, conceito que diz que é mais fácil um país sair da pobreza e virar um país de renda média do que sair da renda média e virar um país rico, porque exige necessidades específicas do país. Para virar um país rico, o desenho precisa do setor privado e de maior sofisticação institucional. Não é só pôr a criança na escola, é pôr em uma escola boa. Não é só aumentar o capital instalado, é ter competitividade. O país pode até não sair da renda média, mas precisa, sem dúvida, crescer mais. O Brasil já não tem mão de obra barata, como países pobres têm; não tem ainda sofisticação tecnológica para competir com as nações ricas, então, precisa de mercado consumidor.

 

Por isso, a importância de um ajuste nas políticas públicas, de uma forma geral, porque esse é o nosso ganho. Precisamos buscar, pensando na indústria, ganhos de escala. Obviamente, há a questão do Custo Brasil atrapalhando. Mas a nossa vantagem comparativa é o nosso mercado consumidor, onde precisamos inserir competitividade. Claro que não dá para abrir a economia da noite para o dia, mas precisamos inserir competitividade, trazer para o DNA da indústria o investimento. E tem saltos aí que a gente precisa fazer.