Publicado em 03/11/2023 - Atualizado em 18/01/2024 09:25
MÃO DE OBRA E INDUSTRIALIZAÇÃO
NA CONSTRUÇÃO
Coordenadora de Projetos da Construção no Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) onde comanda e desenvolve estudos e análises setoriais, Ana Maria Castelo falou com exclusividade para a Carta da Indústria. A pesquisadora, com mestrado em economia na Universidade de São Paulo (USP), é responsável pela divulgação do Índice Nacional de Custo da Construção (INCC-M) e da Sondagem da Construção da FGV. Ela conversou sobre produtividade e expectativa do PIB do setor e os últimos resultados da Sondagem, entre outros temas.
CI: Recentemente, no Rio Construção Summit (RCS), a senhora citou a frase “produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo”. E que se todas as empresas melhorarem sua eficiência isso refletirá no país. Como a senhora vê a produtividade na indústria da construção civil?
Ana Castelo: Essa frase é do Paul Krugman (economista norte-americano, vencedor do Prêmio Nobel de 2008) para destacar a questão da produtividade. Claro que produtividade não é tudo, há muitas outras coisas envolvidas na questão da sustentabilidade e das desigualdades. Mas essa questão é um aspecto fundamental. Quando vemos a produtividade da construção comparada à da indústria de transformação, existe um gap histórico que tem se mantido nos últimos anos, porque a produtividade da construção não melhorou.
CI: A senhora se refere a todo tipo de construção?
Ana Castelo: A construção é um setor bastante heterogêneo e envolve tanto a produção formal como a que tem origem nas famílias e pequenos empreiteiros. Olhando só para a parte formal, é muito superior. Mas essa produtividade consolidada é puxada para baixo pelo grupo de produção das famílias, que têm métodos menos produtivos. No nosso estudo, entre 2007 e 2021, com origem na pesquisa anual da indústria da construção, do IBGE, divulgada este ano, a evolução histórica da produtividade tem um resultado negativo: queda de 5%. Estamos medindo a produtividade por valor adicionado por trabalhador e já corrigindo esse valor pela inflação. Esse é o tamanho do desafio que o setor tem.
CI: Uma discussão também do RCS foi sobre a necessidade de se medir a produtividade e de se estabelecer um padrão para tanto. Existem vários caminhos para essa medição?
Ana Castelo: O professor Ubiraci Espinelli destacou a medição da produtividade física das empresas ou do empreendimento. Quando queremos consolidar os números para a economia passamos para o campo da medição do valor adicionado por trabalhador ou por homens/hora. Para comparar com a produtividade da indústria ou da média da economia, temos que sair do campo físico e ir para a dimensão econômica, como no meu estudo. São formas diferentes de medir. A do Ubiraci é importante para as empresas terem uma medida de como estão evoluindo. Para ver o setor evoluindo e comparar a outros setores temos que passar para a dimensão do valor.
CI: Nas suas pesquisas, ficou demonstrado que 50% da produtividade depende da mão de obra e os outros 50% fazem parte do entorno. Poderia explicar melhor.
Ana Castelo: Há uma prevalência entre os acadêmicos da importância da qualificação da mão de obra quando a gente discute a questão da produtividade como um todo. É a habilidade do trabalhador, a formação, o treinamento. A outra metade tem a ver justamente com aspectos que estão relacionados ao entorno do trabalhador, como o processo de gestão e a própria qualificação do gestor. Os métodos construtivos são muito importantes e você tem toda a questão institucional e macroeconômica. Se você tem um ambiente macroeconômico ruim e taxas de juros muito altas, crescimento baixo, isso também acaba complicando os investimentos em melhorias da produtividade.
CI: Que medidas o governo poderia tomar para melhorar a produtividade do setor e mesmo facilitar os negócios? E o setor empresarial?
Ana Castelo: Há uma parte importante que diz respeito ao próprio setor. Aquelas variáveis que a gente falou que são portas adentro, justamente dependem do esforço da empresa. Os esforços para reter e treinar sua mão de obra. E o governo? Inclui desde uma questão institucional e macroeconômica. O custo do capital é muito importante na hora de investir em novos processos. Também há a questão tributária. Na construção há um viés que penaliza os processos industrializados. Produzir no canteiro de obras tem uma tributação menor do que na fábrica, levando pronto para o canteiro. O governo poderia intervir nisso. Já em relação ao financiamento, seria estimulando a utilização de processos mais inovadores. E tem ainda outro aspecto: exigir parâmetros inovadores nas obras públicas. Há uma ação nesse sentido, por exemplo, em relação à ferramenta BIM, que começou a ser exigida nas obras de infraestrutura.
CI: De que maneira a Reforma Tributária pode contribuir para a elevação da produtividade do setor?
Ana Castelo: Pelo que já conhecemos a respeito da Reforma Tributária, ela favorece à medida que vai criar uma isonomia entre os processos construtivos, ou seja, vai deixar de onerar o processo industrializado. Mas há uma preocupação do setor em relação ao efeito final da reforma, porque hoje toda construção é um setor favorecido dentro do sistema tributário. Ele possui um sistema de incentivo. Se não contemplar de uma forma especial o setor, poderá encarecer os produtos da construção, o que seria negativo. Mas a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) trará isonomia. Isso não significa que os processos serão equivalentes em termos de custos, mas em termos do sistema tributário.
CI: Qual a relação entre a elevação da produtividade e a redução de custo de uma obra?
Ana Castelo: Com mais produtividade e um mesmo recurso, você consegue produzir mais. A produtividade é uma forma de você baratear o produto da construção, de torná-lo mais acessível. Mas o efeito final vai depender muito da concorrência e de outras questões.
CI: Quais são os principais gargalos em relação à produtividade setorial?
Ana Castelo: Além da questão tributária, é preciso ter a formação de gestores e qualificação da mão de obra. No caso da edificação residencial, uma dificuldade adicional é o modelo de financiamento, que desestimula a melhoria da produtividade. Uma parte da obra (30%) é financiada antes da entrega das chaves, junto ao incorporador, e a parte maior é financiada junto ao agente financeiro a partir da entrega da chave, 70%. Então, se reduzir o prazo da obra, acaba dificultando para quem vai adquirir um imóvel e não tem uma poupança prévia. Uma obra demora em média de dois a três anos.
CI: A baixa atratividade do setor por profissionais e a diminuição da população econômica ativa são aspectos estruturais que impactam a produtividade da indústria da construção. De que maneira poderíamos vencer esses obstáculos?
Ana Maria Castelo: Praticamente fechamos aquele ciclo do “bônus demográfico”, que é a fase do crescimento, quando o país possui mais pessoas em idade ativa do que fora do mercado de trabalho. Aí você pode crescer simplesmente incorporando pessoas ao mercado de trabalho. Na hora que esse contingente começa a ser menor do que o de pessoas não ativas, significa que para de crescer, tem que aumentar a eficiência, ou seja, a produtividade.
CI: O uso de sistemas industrializados nas obras ainda é bem baixo no país, segundo um estudo da FGV. A senhora poderia comentar.
Ana Castelo: Intuitivamente nós sempre tivemos essa percepção de que a industrialização ainda está pouco avançada na construção, mesmo nas grandes metrópoles. No último ciclo imobiliário a gente pode constatar o quão realmente os processos construtivos estão baseados na mão de obra e menos no que vem da indústria. A FGV, que tem uma pesquisa mensal realizada junto às construtoras de todo o país, introduziu em maio alguns quesitos para tentar ter uma noção se o processo de industrialização está disseminado ou não. E realmente o retrato que veio foi bastante negativo: menos de 35% das construtoras disseram fazer uso de processos industrializados.
CI: Qual a perspectiva do PIB da construção para este ano?
Ana Castelo: Depois de dois anos de crescimento forte, uma perspectiva para 2023 é de um crescimento menor, inclusive abaixo do que hoje se prevê para o PIB do país, uma taxa de cerca de 1,4%. No PIB da construção, incluímos tanto o PIB formal, das construtoras, quanto o que vem das obras realizadas pelas famílias e pequenos empreiteiros. É esta parte que está puxando para baixo atualmente o PIB. Esse movimento diminuiu por conta da reabertura de atividades pós-pandemia, endividamento das famílias etc. Agora a atividade está sendo sustentada pela produção formal. Têm contribuído os investimentos em infraestrutura, as obras viárias, contratadas pela União e os municípios, além dos leilões de concessão. A última Sondagem, de setembro, mostrou uma melhora nas expectativas das empresas do setor com o PAC e o Minha Casa, Minha Vida. O mercado está em atividade por conta do que já foi vendido e o ciclo de juros que começou a reverter.
CI: Como a Sondagem da Construção do Ibre FGV tem detectado o aumento de custos das obras?
Ana Castelo: Entre meados de 2020 e de 2021, houve um aumento muito forte dos materiais de construção. Alguns itens chegaram a dobrar de preço. A Sondagem mostrou isso. Atualmente, o que a Sondagem está mostrando é que a preocupação com o custo de material arrefeceu na comparação com o ano passado. E tem crescido preocupações com o custo e a qualificação da mão de obra, já que o mercado está mais aquecido.