Publicado em 03/07/2023 - Atualizado em 18/01/2024 09:13
A CERVEJA É
A CARA DO RIO
Sexto maior produtor nacional, estado do Rio conta com cervejarias em 38% dos municípios, maior índice do país
Reza a lenda que, no período Neolítico, há cerca de 13 mil anos, os humanos abandonaram o nomadismo e a caça para se tornarem agricultores porque descobriram como cultivar a cerveja. A bebida de fácil cultivo estaria toda associada à cultura humana, que ao longo de milênios refinou sua produção. Seguindo uma tendência mundial, a cerveja firmou-se como a bebida alcoólica mais consumida no Brasil, terceiro maior produtor do planeta, atrás apenas da China e dos Estados Unidos.
O Rio de Janeiro está na sexta posição entre os estados brasileiros produtores e consumidores de cerveja, porém a capital fluminense tem o maior consumo sazonal de chope do país. O estado tem ainda a maior dispersão de cervejarias por cidades do país: em 38% dos municípios existe ao menos uma cervejaria. “A capital tem datas marcantes, como o Carnaval e o Réveillon, e aponta tendências como a do chope em lata, só comercializado no Rio. Beber é um ato social, que combina com comemoração, uma cultura carioca. Embora as grandes cervejarias dominem o mercado, o Rio tem uma boa produção de cervejas artesanais e um consumo em constante crescimento”, observa Márcio Maciel, presidente-executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv).
Mercado em recuperação
A pandemia afetou fortemente o mercado das pequenas e médias cervejarias fluminenses, que, no entanto, vem registrando uma recuperação gradual. No país, dos 1.549 estabelecimentos em atuação, 44% surgiram nos últimos três anos, tendo lidado diretamente com os efeitos da pandemia. Em 2023, o setor projeta crescimento de 9,3% de sua produção, ou seja, acima da média da economia do país.
“Foi um momento bastante complicado, sofremos um efeito cascata da crise mundial de insumos. A disponibilidade de garrafas era pequena. Quem podia, migrou para envazar em lata ou em garrafa PET. O mercado encolheu”, lembra Gabriel Thurler, diretor do Sindicato das Indústrias de Alimentação de Nova Friburgo (Sindanf).
O cenário melhorou na região com o controle da Covid-19. O sindicato possui cervejarias associadas das cidades de Nova Friburgo, Cordeiro, Duas Barras e Santa Maria Madalena. “Nossos esforços atuais se concentram em conquistar o apoio do comércio para as cervejas especiais, que restaurantes e padarias de bairro passem a vendê-las junto às marcas maiores. Já existe um incentivo da prefeitura de Friburgo às cervejarias artesanais, que contam com isenção de tributos. Precisamos incrementar essa comercialização”, ressalta Thurler.
A maioria das cervejarias ligadas ao Sindanf tem média de cinco funcionários. Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) aponta que, para cada emprego na indústria cervejeira, surgem mais 34 na cadeia de produção e distribuição. “Existe um potencial de surgimento de mais 100 mil empregos ligados à cerveja no país, desde o produtor rural até os sommeliers. Se hoje o setor representa 2% do PIB é porque investe-se em inovação, como é o caso das bebidas zero álcool, apesar da tributação, a mais alta da América Latina. Atualmente, 56% do custo do produto final é para pagamento de tributos. A imensa maioria dos insumos é importada. Apenas 1% do lúpulo é de produção nacional, 60% da cevada vêm de fora. Por isso queremos uma reforma tributária que traga simplificação na importação”, acrescenta Maciel.
Qualificação profissional
O setor emprega 2,7 milhões de pessoas no Brasil, entre colaboradores diretos, indiretos e induzidos. A procura por marcas novas e artesanais exige cada vez mais qualificação dos fabricantes, lembra Maciel, que considera essencial a oferta de cursos de capacitação pela Firjan SENAI. “A qualificação é fundamental para a cultura da cerveja. Por mais simples que seja a fabricação artesanal, não há espaço para amadorismo na produção industrial, ainda que de pequeno porte”.
Os cursos técnicos de cervejaria abertos a cada semestre no Centro de Referência em Alimentos, Bebidas e Panificação da Firjan SENAI SESI Tijuca têm procura intensa, informa Bruna de Mello Tristão Celestino, especialista técnica de bebidas da instituição. “Os cursos englobam todo o processo cervejeiro, desde a obtenção da matéria-prima até o copo do consumidor, com aulas on-line ao vivo com professor e aulas práticas presenciais no Centro de Bebidas SENAI Tijuca, para atender a alunos do estado todo. Também existe um deslocamento de equipes de professores para cidades que dispõem de cervejarias, como Nova Friburgo e Petrópolis, para atender algumas demandas de aulas presenciais nessas regiões”, conta Bruna.
O Centro mantém uma planta moderna e bem equipada, de forma a agregar valor e garantir a qualidade dos produtos, sobretudo de pequenas e médias fábricas. Além do Curso Técnico em Cervejaria, com duração de um ano e meio, há oferta de turmas de aperfeiçoamento, como Análise Sensorial de Cervejas.
Zero álcool
O brasileiro está longe de figurar entre os maiores apreciadores da cerveja, com 52% da população declarando-se abstêmica. Esse pode ser um dos fatores, ao lado da preocupação com a saúde, a explicar o crescimento contínuo da procura por cerveja zero álcool e de baixa caloria, cuja produção deve crescer 24% até o fim deste ano
“Desde 2019, quando foram comercializados 140 milhões de litros de cerveja zero no Brasil, o mercado praticamente triplicou. Hoje, a cerveja tem o álcool retirado por evaporação ou por uma enzima, mantendo o sabor original quase inalterado. Importante frisar que o produto não se destina a quem tem problemas com álcool, mas que esse consumo maior se deve a uma mudança comportamental do brasileiro, interessado em saborear um produto de qualidade e pegar a direção de um carro depois de uma happy hour, mantendo ainda uma dieta fitness”, explica Maciel.
O consumo da cerveja sem álcool no Brasil aumentou mais do que a média no mundo, que ficou em 3,9%, nos últimos cinco anos, enquanto a bebida tradicional tinha uma ampliação de apenas 0,2%. Como o consumo de 70% desse tipo de bebida ainda está restrito aos lares, a estratégia da indústria brasileira em 2023 é impulsionar essas vendas em bares e restaurantes, junto a outras categorias premium, nas quais o segmento se enquadra devido ao preço mais alto, decorrente das exigências de fabricação para a retirada do álcool.
“O crescimento que almejamos é global, com investimento em segmentos premium, embora as grandes marcas sejam as preferidas pelos brasileiros, que gostam de uma bebida mais leve do que as produzidas no hemisfério norte. No mundo todo, a cerveja está muito ligada a preço, clima e renda. O Brasil não foge à regra da preferência pela cerveja fabricada no país de origem”, observa Maciel.