Publicado em 21/06/2024 - Atualizado em 05/07/2024 08:45
O EXEMPLO QUE
VEM DE SOBRAL
Modelo de educação básica, que prioriza alfabetização, desponta como alternativa para outras cidades
Em quase 30 anos, a Educação Básica da rede pública municipal de Sobral, no Ceará, se consolidou como caso de sucesso e se mantém há quase 10 anos em primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e em outros indicadores. A Educação Básica de qualidade é um degrau fundamental para o Ensino Médio e a Educação Profissional de excelência, base para sustentar a Indústria 4.0. Essas metas fazem parte da agenda de Propostas Firjan para um Brasil 4.0, lançada em 2022.
Referência na educação de jovens para o futuro do trabalho, formando protagonistas por meio da aplicação de metodologias ativas para o desenvolvimento de competências, a Firjan SESI se dedica, há décadas, a promover a Educação Básica e uma de suas iniciativas foi lançar o Distrito de Educação de Botafogo, que reúne escolas públicas e particulares desse bairro da Zona Sul carioca e adjacências.
Uma das ações recentes do Distrito foi convidar o secretário municipal de Educação de Sobral, Herbert Lima, para apresentar o programa cearense na Casa Firjan (um ambiente de inovação, educação, criatividade e tendências da federação, também situada em Botafogo), com o público formado por educadores desses colégios e da rede Firjan SENAI SESI, que vivenciou um dia de reflexões e dinâmicas de grupo.
O modelo de educação de Sobral passa por forte investimento na gestão escolar, no planejamento pedagógico e no combate à evasão. A experiência da cidade cearense se expandiu para outros municípios brasileiros e chama a atenção por conseguir alfabetizar alunos da rede pública no tempo previsto. A meta é ter todas as crianças alfabetizadas ao final do 2º ano. Recentemente, isso foi atestado no Resultado do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada do MEC - Avaliação de Alfabetização: Sobral teve índice de 98,7%.
Presente ao encontro na Casa Firjan, a subsecretária estadual de Planejamento de Educação do Rio, Myriam Medeiros da Silva, afirmou que o governo fluminense firmou um pacto contra a evasão escolar com diversas instituições, inclusive a Firjan SESI, que tem movido suas ações. “Além da busca ativa, é preciso uma escuta ativa, para consolidar essas propostas. Quando a gente vê uma experiência exitosa, como a de Sobral, acreditamos que é possível”, resume.
A evasão é um grande desafio quando se fala em educação. Em Sobral, é amplamente combatida. Em 2023, a Firjan SESI e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) apresentaram a pesquisa Combate à evasão no Ensino Médio: desafios e oportunidades, com um amplo painel de dados sobre o abandono das escolas no Brasil, onde meio milhão de jovens acima de 16 anos param de estudar a cada ano.
A subsecretária disse que a ida ao evento na Casa Firjan foi para conhecer melhor o trabalho de Sobral. “Essa experiência é muito positiva para qualquer rede pública. Eles já estão com essa prática há alguns anos e têm um projeto pedagógico consolidado. O estado do Rio está planejando, tentando se organizar para implantar um projeto para a educação pública que vá além dos quatro anos desse governo”.
O início da mudança em Sobral
Sobral era um município semelhante a muitos outros no país. Ingerência política na educação, desmandos que levavam a inúmeras trocas de prefeitos e deixavam abandonados os prédios escolares e o ensino público. Como resultado, apresentava um dos piores Idebs do país, crianças fora da escola e aprendizado quase nulo. Até que um grupo de jovens de Sobral que cursou a Universidade Federal do Ceará voltou à cidade e assumiu a prefeitura, após vencer as eleições na década de 1990. Um dos objetivos do novo governo era reestruturar a educação básica.
Num primeiro momento, houve grande investimento na reforma dos prédios, na contratação de professores e no fornecimento de material didático, merenda e transporte escolar. Todas as escolas foram reformadas, mas ao final de quatro anos, a avaliação do aprendizado não tinha melhorado. Nesse período, a taxa de 48% das crianças matriculadas não alfabetizadas se manteve.
Foi a partir daí que o então secretário de Educação local fez um plano mais amplo, “que mexeu com o coração, com a emoção das crianças, dos pais, professores e diretores”, convocando todos os moradores da cidade para o desafio da “educação de qualidade para todos”, conforme conta o atual titular da pasta, Herbert Lima. Ele leva adiante a bandeira da educação de qualidade e vem disseminando as metas e o processo em si em palestras pelo país afora e também em uma formação gratuita que é oferecida em Sobral.
“Não há dúvidas de que o professor, o aluno, o espaço e as intervenções pedagógicas de aprendizagem são elementos centrais do processo de aprendizagem e da gestão do ensino. Porém a maior liderança na condução e na capacidade de implementação das políticas públicas é o líder que está na ponta. Nesse caso é o diretor escolar que conduz a implementação dessas políticas”, explica Lima.
Gestão escolar
“Este ano, o Distrito de Educação escolheu a gestão escolar como tema preferencial para os nossos debates. Os resultados obtidos pelo município de Sobral são incontestáveis. Falam por si há muito tempo. É uma forma de discutir alternativas e possibilidades. Claro que a cidade do Rio é muito mais complexa que Sobral em diversos aspectos, mas isso não invalida a experiência e as práticas adotadas no Ceará, porque também são desafios que nós enfrentamos aqui em todas as escolas públicas e privadas”, contextualiza Vinícius Cardoso, diretor de Educação e Cultura da Firjan SENAI SESI.
A ideia do Distrito de Educação surgiu junto com o início do projeto de ampliação do portfólio da Casa Firjan, no segundo semestre de 2022. A região concentra o maior número de escolas por metro quadrado do Rio de Janeiro: quase 100. Ao criar um novo portfólio, a Casa Firjan passou a oferecer cursos e treinamentos voltados para a formação de professores tanto das escolas particulares, como públicas. E a Firjan SESI também participa da elaboração e oferta desses cursos.
Cardoso cita como desafios fluminenses na educação a formação e valorização de professores, a melhoria nos sistemas de avaliação das condições escolares e o combate à evasão. O objetivo do encontro foi apresentar às escolas do Distrito essas alternativas, visando gerar reflexão sobre suas próprias práticas e sobre possíveis soluções para a sociedade do Rio de Janeiro.
A Firjan SESI tem como missão “estimular a competitividade empresarial, a educação e a qualidade de vida do trabalhador e da sociedade, contribuindo para o desenvolvimento sustentável do estado do Rio de Janeiro”.
Já o secretário municipal de Sobral acredita que tanto o Rio de Janeiro como qualquer outra cidade do país podem conseguir bons resultados na educação após quatro ou oito anos de investimento, seguindo o modelo adotado no Ceará. O caso de Sobral ultrapassou as fronteiras do Brasil e foi estudado pelo Banco Mundial (Bird) em 2021. O relatório do Bird aponta que “os resultados derivam da capacidade de Sobral de convergir todo o sistema educacional para a aprendizagem e da decisão de manter a política partidária longe das escolas. Não é uma solução milagrosa, mas sim um conjunto de ações estruturadas, com o objetivo de garantir que todos os alunos da rede municipal concluam a educação básica na idade certa e com aprendizado adequado”.
A seleção dos gestores escolares em Sobral passou a ser feita a partir de critérios técnicos. “Além disso, implementamos uma política de qualificação dos professores. Criamos uma escola permanente de formação continuada dos docentes onde é estabelecida a rotina de trabalho em sala de aula, a construção de materiais didáticos e a avaliação continuada dos estudantes. Os profissionais do magistério recebem gratificações atreladas ao alcance de metas e do resultado de aprendizagem dos alunos”.
Mais sobre o método
Tudo isso beneficia uma parte importante da população mais pobre, que procura o ensino público. Desde a maternidade, quando o bebê nasce, um assistente social visita os pais e avisa em que escola a criança vai ser matriculada, em que idade. Isso faz parte da meta de não deixar nenhuma criança na rua. Outro esforço é evitar que o aluno volte para casa por falta de professor. Se um docente precisa faltar, o professor assistente, o coordenador ou o próprio diretor irá substituí-lo.
Quanto ao método pedagógico, Lima diz que Sobral não tem um modelo, “há uma experiência acumulada de quase 30 anos, cujo objetivo principal é a aprendizagem, trazendo para o chão da sala de aula as melhores práticas, intervenções e experiências, independentemente de questões teóricas, ideológicas e políticas. “Extraímos o que há de melhor em cada método, em cada autor e em cada material didático. O que tem mais qualidade, o que funciona de fato dentro de sala é o que usamos. E não nos aventuramos em discussões ideológicas, históricas, partidárias”, reforça o secretário.