Publicado em 10/01/2024 - Atualizado em 12/03/2024 10:00
PERSPECTIVAS E
DESAFIOS PARA ESG
Meta. Essa é uma palavra que sempre fez parte da rotina e da realidade das lideranças organizacionais. Uma outra abordagem sobre a saúde dos negócios surgiu nos anos 2000. Foi a partir daí que a abordagem ESG (sigla com origem no inglês, que significa respectivamente Environmental, Social e Governance) ganha a atenção de diferentes setores empresariais, sobretudo a partir de 2015, quando passa a fazer parte da Agenda 2030 da ONU e do Acordo de Paris, tratado internacional sobre mudanças climáticas. Foi a abordagem ESG que elencou os 17 tópicos chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Foi para sensibilizar e ajudar as empresas a gerirem seus negócios de forma socialmente mais responsável é que surgiu, há 25 anos, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). Hoje, o Instituto conta com 460 empresas associadas. Segundo a diretora-adjunta do Instituto Ethos, Ana Lucia Melo, a organização traduziu a sigla ESG para o português: ASG (Ambiental, Social e Governança), o que aproxima as reflexões sobre os três pilares do contexto brasileiro. Ana Lucia, uma das palestrantes do Rio Construção Summit, em setembro passado, conversou com a Carta da Indústria sobre a atuação do Ethos e sobre as perspectivas e os desafios para 2024 e os próximos anos.
CI: Qual foi o momento em que houve a grande virada para o pensamento sobre a abordagem ESG/ASG? Quando essa agenda se tornou preponderante?
Ana Lucia Melo: As discussões sobre atuações responsáveis das empresas são propostas pelo Instituto Ethos há 25 anos. E os debates sobre fundos de investimentos em aspectos ambientais, sociais e de governança datam do início dos anos 2000, guiando a avaliação das empresas como uma forma de proteger e guiar valores. O que estamos vivendo, hoje, se dá muito por conta do período pandêmico, quando vimos crescer o interesse, a demanda e o diálogo das questões ASG. As empresas e organizações vem trabalhando questões de sustentabilidade há muito tempo, mas, em 2020, há essa virada pautada pela demonstração de empresas que estão comprometidas com sistemas mais robustos de governança, que estão, de alguma forma, fazendo melhor gestão de questões sociais e ambientais. Isso se reflete em melhor performance e no menor sofrimento com as grandes crises. E, ainda, existe um movimento da sociedade em si, que passa a tratar mais sobre esses assuntos.
CI: Quais são os quatro eixos sobre os quais o Instituto trabalha?
Ana Lucia Melo: Em 2023, completamos 25 anos de atuação. Ao longo do tempo, nossas prioridades institucionais foram se transformando e, atualmente, estão guiadas por: promoção da diversidade, equidade e inclusão; agenda climática; integridade, prevenção e combate à corrupção; e, de maneira transversal, gestão para o desenvolvimento sustentável, que é a maneira que as empresas têm para aperfeiçoamento de gestão e para desenvolvimento de capacidades. São temas relevantes para as empresas, especialmente para o contexto nacional. Trabalhamos com metodologias e capacitações para preparar tais gestões.
As empresas e organizações vem trabalhando questões de sustentabilidade há muito tempo, mas, em 2020, há essa virada pautada pela demonstração de empresas que estão comprometidas com sistemas mais robustos de governança, que estão, de alguma forma, fazendo melhor gestão de questões sociais e ambientais. Isso se reflete em melhor performance e no menor sofrimento com as grandes crises.
CI: Qual a atuação de vocês junto ao setor industrial?
Ana Lucia Melo: O Ethos tem um modelo de funcionamento de relação associativa. Somos um instituto de base empresarial, formado por organizações de diferentes setores, portes e localidades. Nossa atuação se dá por meio de grupos de trabalho, atividades formativas, de construção coletiva, que se formam a partir dos interesses das próprias empresas. A ideia é permitir que, a partir de compromissos comuns, as empresas possam tanto demonstrar o avanço nas diversas práticas como permitir que haja evolução da agenda na cadeia de valor.
CI: Como está o cenário de implantação das pautas ESG/ASG nas pequenas e médias empresas?
Ana Lucia Melo: O trabalho de maior fôlego é justamente o da cadeia de valor. As micro, pequenas e médias empresas demandam um acompanhamento mais próximo e o trabalho que desenvolvemos nas cadeias de valor permitem que isso aconteça. Funciona assim: estabelecemos uma parceria com uma grande empresa associada ao Ethos e ela mobiliza seus fornecedores para nossos programas, com os quais realizamos atividades de sensibilização e de oferta de diagnóstico a partir dos indicadores Ethos (importantes ferramentas disponíveis para qualquer empresa). Aplicamos os indicadores de acordo com metodologia do programa e, posteriormente, propomos planos de ação, oferecendo inclusive atividades de mentoria para promover o entendimento do fornecedor para melhorar sua atuação e de capacitação. Hoje, cresce o interesse das empresas com relação à agenda dos Direitos Humanos. Mas o que são os Direitos Humanos aplicados à realidade de um pequeno negócio? Nossa proposta é fazer com que o fornecedor compreenda isso. Na medida que vamos percebendo a melhoria da gestão, inserimos na metodologia o reconhecimento em forma de prêmios, de destaque de boas práticas, como formas de estímulo. Cito um trabalho realizado, há dois anos, com a Firjan, que foi uma capacitação para pequenas e médias empresas na qual fizemos encontros periódicos para estimular o aprendizado, fomentar oportunidades. A nossa estratégia é de conhecimento, de formação e informação.
Hoje, cresce o interesse das empresas com relação à agenda dos Direitos Humanos. Mas o que são os Direitos Humanos aplicados à realidade de um pequeno negócio? Nossa proposta é fazer com que o fornecedor compreenda isso. (...) Cito um trabalho realizado, há dois anos, com a Firjan, que foi uma capacitação para pequenas e médias empresas na qual fizemos encontros periódicos para estimular o aprendizado, fomentar oportunidades. A nossa estratégia é de conhecimento, de formação e informação.
CI: Existe algum setor empresarial específico em que é preciso um olhar mais atento para as práticas ESG/ASG?
Ana Lucia Melo: Tem um conceito bastante importante que envolve a agenda que é o da materialidade. As questões ASG vão ser aplicáveis para qualquer tipo de negócio. O que muda é sua intensidade, o impacto. Empresas que têm maior impacto social e ambiental vão precisar de maior cuidado. O setor de infraestrutura, por exemplo, tem tipicamente alguns riscos mais claramente associados às suas atividades. Condições de trabalho no setor de infraestrutura é um tema material. Uma empresa do setor precisa estar mais atenta a isso. Por outro lado, uma prestadora de serviços de consultoria não terá tantas questões relacionadas à saúde física do trabalhador, mas deverá discutir a saúde mental de seus colaboradores. Todos os setores têm questões. O que muda é a avaliação sobre probabilidades de riscos. As empresas, então, têm que ter em mente essas análises de materialidade, porque isso determina as soluções para cada um dos setores.
CI: Aproveitando que estamos iniciando um novo ano, como você percebe a implantação do pensamento ESG para o futuro? Como está o cenário no Brasil e no mundo?
Ana Lucia Melo: Diferentemente de outros lugares, a agenda ASG entrou em uma disputa muito grande fora dos Estados Unidos. Ela está marcada por uma ideologia que prejudica seu avanço nos EUA. Aqui, não enxergamos essa mesma disputa. Organizações mais conservadoras ou mais progressistas estão olhando para essa agenda de maneira parecida, no sentido de fazer avançar uma melhor gestão empresarial e do que é possível gerar de valor para os negócios. Para o futuro, entendo que o desafio é fazer as empresas evoluírem no eixo S, que, de alguma maneira, não tem tantos parâmetros objetivos de avaliação. É preciso amadurecer a compreensão das empresas na atuação no âmbito social. E isso não pode estar restrito às ações sociais, que têm muito valor, mas, ao falar de ASG, o pensamento é sobre como a empresa impacta sua cadeia de valor, como se relaciona com seus empregados, como estabelece suas práticas de remuneração. Especialmente pensando no Brasil que possui marcas de desigualdade muito fortes, o campo social é fundamental. O olhar e o fortalecimento de ações que visem a inclusão das pessoas são ponto-chave para o próximo ano.