Publicado em 15/08/2024 - Atualizado em 15/08/2024 17:18
SEM ENERGIA NUCLEAR
NÃO HÁ TRANSIÇÃO
Há uma janela de oportunidades para a energia nuclear no Brasil, garante o presidente da Eletronuclear, Raul Lycurgo, posição defendida também pela Firjan. Em entrevista exclusiva à Carta da Indústria, o executivo garante que a energia nuclear é essencial para a transição energética, destaca o Brasil no cenário internacional, aborda os benefícios econômicos, sociais e ambientais e comenta a regulação do setor. Além disso, fala da revolução que virá com os reatores modulares pequenos até 2030.
CI: A energia nuclear é essencial para a transição energética? Quais são as vantagens?
Raul Lycurgo: Sem energia nuclear não há que se falar em transição energética. A energia nuclear é 100% limpa, não depende de eventos da natureza, é segura, estável e não ocupa muito espaço. Ela é essencial para a transição energética. Figuras de destaque do setor, como Fatih Birol, diretor executivo da Agência Internacional de Energia (AIEA), e Rafael Grossi, diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), além de mais de 20 países participantes da COP 28, acreditam na necessidade de triplicar os investimentos em energia nuclear, para alcançar as metas de redução de emissão de gases do efeito estufa até 2050.
CI: Qual seria o melhor cenário com relação à energia nuclear para o Brasil no futuro?
Raul Lycurgo: O Brasil tem uma janela de oportunidades para substituir a produção de energia elétrica de fontes fósseis por uma matriz limpa e nuclear. Muitos países precisam dessa energia. Os Estados Unidos, por exemplo, que vão chegar a 100 reatores nucleares em breve, precisam de quem forneça o combustível nuclear. Atualmente, há 56 usinas nucleares em construção no mundo, que somadas às mais de 440 existentes, chegarão a 500 usinas. E elas vão precisar de combustível nuclear. E nós temos urânio, conhecimento técnico e capacidade para explorar e enriquecer o minério, além de produzir combustível nuclear, podendo nos tornar autossuficientes e com capacidade de exportar para o mundo.
CI: O que é preciso aperfeiçoar na regulação do setor para a utilização de novas aplicações industriais e a construção de novas centrais de grande porte?
Raul Lycurgo: Cabe à União fazer um novo marco legal para que a iniciativa privada possa vir também a atuar no setor nuclear, como ocorre nos Estados Unidos, na Espanha e em diversos países na Europa. A Constituição brasileira permite parcerias público-privadas para a exploração de urânio com fins pacíficos, o que pode facilitar a produção de energia elétrica com combustível nuclear. O setor privado pode ser dono, mas a Eletronuclear opera.
CI: Qual a importância da energia nuclear para o cenário internacional da transição energética e as oportunidades para o Brasil e o Rio de Janeiro com o desenvolvimento dessa indústria?
Raul Lycurgo: A energia nuclear é fundamental para a transição energética global. O Brasil, especialmente o Rio de Janeiro, tem uma grande oportunidade de se beneficiar do desenvolvimento da indústria nuclear, gerando empregos qualificados, desenvolvimento tecnológico e atraindo investimentos. O Rio é o epicentro disso, principalmente com Angra 1 e 2. Agora, com a dinâmica do setor, é uma oportunidade que o Brasil não pode perder. E o país pode se transformar.
CI: Quais os investimentos necessários para ampliar a produção de energia nuclear no país?
Raul Lycurgo: Para concluir Angra 3, por exemplo, são necessários cerca de R$ 20 bilhões, que serão pagos pela Eletronuclear com financiamento de um pool de bancos nacionais, internacionais, públicos e privados. A conclusão de Angra 3 está prevista para 2030. A Eletronuclear espera que a usina opere por 80 anos, oferecendo diversos benefícios. Além disso, estamos modernizando Angra 1, para que possa chegar a 60 anos de operação.
CI: Quais os benefícios econômicos, sociais e ambientais que Angra 3 pode oferecer para o Brasil e o Rio de Janeiro ao ser concluída?
Raul Lycurgo: Angra 3 pode gerar empregos, aumentar a segurança energética, reduzir a emissão de gases de efeito estufa e contribuir para o desenvolvimento econômico da região de Angra dos Reis e do Rio de Janeiro. A usina, junto com Angra 1 e 2, ocupará apenas um quilômetro quadrado e poderá produzir 3,4 gigawatts de energia, sem depender de eventos da natureza, como a eólica, que precisa de vento, ou a fotovoltaica, que necessita de sol.
CI: Apesar de a energia nuclear ser limpa, não gerar gases de efeito estufa, há uma preocupação com o combustível usado. O que o senhor diria para as pessoas que têm essa visão?
Raul Lycurgo: As usinas nucleares brasileiras são seguras, protegidas. Elas possuem várias e fortes camadas de contenção, com uma esfera de aço grosso, mais um metro de concreto. Além dessa proteção, há sistemas automáticos de desligamento por gravidade, garantindo a segurança dos reatores. Angra 2 é uma esfera com 60 metros de diâmetro que protege o reator, que tem 5,5 m por 12 m, o que garante ampla segurança. Sem contar que o nosso sistema opera literalmente sozinho. Se acontecer alguma coisa, não precisa nem de operador para desligar. Ele faz isso automaticamente.
CI: O descarte dos resíduos nucleares ainda é um desafio?
Raul Lycurgo: O descarte de resíduos nucleares é um desafio, mas tanto o rejeito nuclear quanto o combustível nuclear usados em Angra 1, por seus 40 anos, e em Angra 2, durante seus 22 anos, jamais saíram das cercas da central nuclear. E só vão deixar o local quando a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), que é o órgão regulador, tiver o local apropriado para colocar esse material. Mas ainda há espaço para guardar o combustível nuclear usado até 2045. Para o rejeito, há lugar até 2030.
CI: Quais os principais obstáculos a serem enfrentados pelo Brasil em relação ao enriquecimento do combustível nuclear?
Raul Lycurgo: O que nós precisamos é tomar a decisão de ser um player relevante no setor, resolver fazer, explorar, ser eficiente, decidir não perder a oportunidade, se beneficiar dessa janela de oportunidade para gerar renda e emprego, sendo exportador de combustível nuclear para o mundo.
CI: Como enxerga a inserção de reatores modulares pequenos (SMRs, na sigla em inglês) no sistema elétrico brasileiro? Qual o papel da Eletronuclear nesse contexto?
Raul Lycurgo: Os reatores modulares pequenos (Advanced Small Modular Reactors –SMRs) prometem revolucionar o setor até 2030, com custos mais baixos e maior flexibilidade do que as usinas tradicionais, artesanais, tão específicas que não existe uma igual a outra. No modelo modular, já vem pré-montado, pré-arquitetado. Eles podem gerar 300 megawatts, o que significa metade de uma usina de Angra – suficiente para abastecer metade de Belo Horizonte –, e serão mais econômicos que as usinas tradicionais. A Eletronuclear terá um papel fundamental na implementação dessas tecnologias inovadoras no Brasil.